São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Colombiano conta que nunca usou modelos obesos para seus quadros e que não exalta gordura, mas volume

Botero diz que não é "pintor das gordas"

Associated Press
"A Consolação" (2001), de Fernando Botero, uma das raras pinturas do artista com temática social


DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir a continuação de entrevista com Fernando Botero. (CASSIANO ELEK MACHADO)

Folha - O sr. é um dos artistas mais populares vivos, já fez grandes exposições no mundo todo e teve grande valorização financeira de seu trabalho. Por outro lado, o sr. é muito atacado pela maior parte dos grandes críticos e demais pensadores da arte contemporânea. Como é viver nessa balança?
Fernando Botero -
Todos os grandes pintores da história tiveram de sofrer ataques dos críticos de sua época. Isso é ainda mais forte se alguém apresenta, como eu, algo que é o contrário do que o estabelecimento cultural decide que deva ser a arte. Todos dizem que a pintura deve ser bidimensional e não deve ter tema, que a arte agora são instalações cheias de vídeos. Faço o oposto. Nado contra a corrente e não me importo. Tenho muitas críticas negativas, mas ao mesmo tempo sou o artista vivo com mais mostras nos grandes museus do mundo, mais do que o dobro dos outros. Os diretores dos museus também são críticos e eles sempre me convidam para expor. O importante para mim é que minha obra tenha cada vez mais repercussão e mais público e, agora, com o documentário, ficará ainda mais conhecida, sobretudo na América Latina.

Folha - O documentário cita sua participação como o representante da Colômbia na 5ª Bienal de São Paulo, em 1959. Qual foi a importância dessa exposição para a sua carreira, que na época começava?
Botero -
Foi minha primeira grande exposição internacional. Mas eu não estava na Colômbia quando aconteceu essa famosa Bienal, e os quadros que o governo escolheu não eram os que queria. Então não fiquei muito contente. Essa Bienal foi curiosa, pois foi uma das únicas grandes exposições coletivas de que participei. Nunca fui amigo das coletivas.
Fiquei muito satisfeito no Brasil com minha mostra no Museu de Arte de São Paulo (98).

Folha - A publicidade dessa exposição aqui foi em cima da obesidade dos protagonistas de seus quadros ("venha ver uma "Mona Lisa" gordinha"). Como o sr. lida com essa leitura de sua obra?
Botero -
Os que não entendem nada dizem que Botero é o pintor das gordas. Isso não me incomoda. Mas, se as pessoas olhassem minha obra com atenção, veriam que a deformação volumétrica que faço em uma natureza-morta é a mesma que uso em pessoas ou paisagens. Faço uma exaltação do volume, não da gordura.

Folha - Como os gordos recebem seu trabalho?
Botero -
Acho que se identificam. Ouvi falar até de uma cadeia de restaurantes de comida dietética que são decorados com reproduções de minhas obras [risos". Não me importo, acho simpático.

Folha - O sr. já usou modelos obesos para as suas pinturas?
Botero -
Nunca. É um trabalho de imaginação. Não poderia jamais conseguir uma modelo com as proporções que eu pinto. Mas há uma senhora amiga minha que é muito gorda, gorda mesmo. Eu sempre a convido para jantar. Quando as pessoas nos vêem, sempre acham que estou jantando com uma modelo minha.

Folha - O que o sr. acha do trabalho do artista suíço Alberto Giacometti (1901-66), que só fazia esculturas bem longilíneas, "magras"?
Botero -
Sou interessado por artistas com estilo e intenções bem definidos. Arte pede coerência. Giacometti é coerente e de claridade extraordinária. Odeio artistas que fazem de tudo. Arte é como política. Há de ser de direita ou de esquerda. Centro não conta.

Folha - E como o sr. se define?
Botero -
Artisticamente, sou só um pintor figurativo. A arte, hoje, é mais uma história de personalidades do que de movimentos. É uma aventura individual.



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