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NINA HORTA
Onde foi parar o gosto dos alimentos?
Por onde anda o gosto dos legumes e das frutas? Mudaram eles ou mudamos nós? O melão é de plástico; a banana, verde;
o figo, enrustido e duro; a vagem e
a cenoura, muito semelhantes, todas as batatas são iguais.
Já leram "Deve ter Sido Alguma
Coisa que Comi" (Companhia
das Letras), do excelente Jeffrey
Steingarten? Ele descreve a chácara Chinos em San Diego, Califórnia, e chega à conclusão de que a
tarefa de plantar bem é para os
inspirados e possessos, e não para
os simples mortais. Só de alface
mimosa os Chinos cultivam 60
variedades. Tudo é testado antes,
nenhuma semente é deixada ao
léu para crescer e ver no que dá.
O engraçado é que, quando se
fala em técnicas novas, imagina-se grandes novidades, mas parece
que é quase só voltar aos antigos
métodos e jeitos de plantar. Trazidos de volta, desvendariam para
nós os sabores perdidos. Eu queria entender melhor desse assunto para comer coisas que não tivessem gosto de pano de prato. Se
já provei pano de prato molhado?
Não e nem precisa. Quem não sabe o gosto de jornal, de papel pardo, de lápis, de fundo de gaveta,de
barata, de dia de chuva?
Recebi da editora Campos Elsevier um livro com o nome de "O
Julgamento de Paris", e a ignorância é tão grande que pensei que
fosse o Paris da Helena de Tróia.
Mas não. Era o relato de uma degustação que revolucionou o
mercado de vinhos e que aconteceu em Paris em 1976. Spurrier,
um inglês que vendia vinhos em
Paris, resolveu fazer uma experimentação às cegas no Hotel Intercontinental. Vinhos franceses e
californianos, no tempo em que
só se dava valor ao vinho francês.
O autor do livro, George M. Taber, da revista "Time", era o único
jornalista presente -e ainda por
cima californiano. Tudo ocorreu
numa salinha pequena e luxuosa,
com jurados importantes. A certa
altura, ele sentiu que sua reportagem iria emplacar e causar celeuma. "A parte dedicada aos vinhos
brancos estava mais ou menos na
metade quando comecei a notar
algo surpreendente. Os jurados
estavam confusos! Identificavam
vinhos franceses como californianos e vice-versa." (Se ganhássemos vinhos franceses, a matéria
provavelmente nem publicada seria.) Foi um auê, parece que daquele dia em diante transformou-se o mercado das vinícolas.
No dia 30 de abril morreu Jean
François Revel, filósofo e jornalista francês. Dentre os inúmeros livros que escreveu, há um que interessa aos cozinheiros: "Um
Banquete de Palavras" (Cia das
Letras), esgotado. É a tentativa de
ressuscitar a atmosfera, o gosto de
uma comida ou de um vinho do
fundão dos tempos. Qual seria o
gosto de uma codorna ensopada
na Idade Média? De um vinho antes de Cristo? Baseou-se em textos
literários, poesia, romance, teatro.
Sua tese principal eram as diferenças entre a comida de aparato,
erudita, tagarela, que fala bonito e
se apresenta nas mesas de restaurantes, nos cardápios estrelados, e
a cozinha burguesa que se desenvolve em silêncio, sem autor, devagar, propriedade de todos, doméstica, tradicional. Encerra a tese com final feliz, casando as duas,
a erudita e a popular.
"A história da cozinha é precisamente uma sucessão de trocas, de
conflitos, de desavenças e reconciliações entre a cozinha comum e
a arte da cozinha."
Imaginem, escreveu o livro nas
férias, para se distrair. Um pouco
tagarela ele mesmo, às vezes, mas
tem parágrafos iluminados, ricas
fontes de reflexão e intuições
acertadas, centelhas de sua mente
brilhante e polêmica. Vale a pena
ter o livro. O original é "Un Festin
en Paroles". Talvez um bom sebo
há de nos devolver a graça de Jean
François Revel na história da sensibilidade gastronômica, da antigüidade a nossos dias.
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