São Paulo, Terça-feira, 18 de Maio de 1999
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CANNES
Cineasta mostra a relação conturbada e frutífera com seu ator favorito no único título de não-ficção da programação oficial do festival
Herzog acerta as contas com Klaus Kinski

AMIR LABAKI
em Cannes

Werner Herzog lançou em Cannes no último fim-de-semana, fora de competição, seu novo documentário, ""Meu Inimigo Íntimo". É o único título de não-ficção do programa oficial. Não surpreende que trate do próprio cinema.
""Meu Inimigo Íntimo" reconstitui a conturbada e frutífera relação entre o diretor alemão e o ator austríaco Klaus Kinski, morto em 1991.
O legado visível da colaboração são cinco filmes rodados entre 1972 e 1987: "Aguirre, a Cólera dos Deuses", "Nosferatu", "Woyzeck", "Fitzcarraldo" e "Cobra Verde". Herzog nos oferece agora sua versão dos bastidores de seu trabalho com Kinski.
O documentário estrutura-se sobretudo a partir de um longo depoimento do próprio Herzog, intercalado com cenas dos filmes e de registros das filmagens, alguns poucos inéditos.
São entrevistados apenas três dos parceiros de Kinski diante das câmeras: Claudia Cardinale ("Fitzcarraldo"), Eva Mattes ("Woyzeck") e um extra peruano ("Aguirre").
As duas atrizes, explica Herzog, "foram escolhidas apenas por falarem de Klaus com muito afeto". O figurante, contudo, exibe na testa a marca de mais um instante de agressividade descontrolada de Kinski. O próprio Herzog não economiza anedotas na mesma linha.
A primeira das histórias precede muito a parceria profissional. Herzog abre o filme visitando o casarão em Munique onde, nos anos 50, funcionava a pensão onde morava com a família e logo abrigaria também a Kinski. O garoto Werner contava 13 anos. A carreira de Klaus no teatro já engatinhava.
"Certa vez ele se fechou no banheiro por 48 horas. Chamamos a polícia, e ele continuou lá. Quando saiu, descobrimos que destruíra tudo", diverte-se Herzog contando ao casal careta que o recepciona no velho lar.
Mais de uma década depois, Herzog enviaria a Kinski o roteiro de "Aguirre". Às 3h do dia seguinte, o telefone toca para um longo e confuso sim. A produção seria a crônica de ataques -prontamente respondidos por Herzog.
"Ele não era egocêntrico", diz o cineasta. "Era egomaníaco." Mas logo assume seu quinhão: "Era a perfeita combinação entre dois loucos".
Essa eletricidade nutriu o melhor do cinema ficcional de Herzog. "Meu Inimigo Íntimo" reconhece a dívida num fecho extraordinário. Um encantador Kinski doma uma borboleta em plena selva. É mais um grande momento que Herzog deve a Kinski -e vice-versa.


O crítico Amir Labaki está em Cannes a convite da organização do festival.


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