São Paulo, Sexta-feira, 18 de Junho de 1999
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RÉPLICA
Cota para cinema é desastre

ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha

Em artigo publicado em 8 de junho na Ilustrada, Arnaldo Jabor faz a defesa da reserva de mercado para o cinema brasileiro e reclama dos donos de cinema que não cumprem a lei de proteção que obriga as salas a exibir filmes brasileiros durante 49 dias por ano. Peço licença para meter o bedelho e discordar do colunista. Obrigar cinemas a exibir filmes brasileiros só pode resultar em desastre.
Jabor justifica sua defesa da cota de exibição para filmes nacionais com o seguinte argumento: "O cinema brasileiro só ocupa 5% das salas de exibição, enquanto nos anos 70 chegamos a ter 30% das salas, com sucesso". O colunista só se esquece de mencionar que a lei de obrigatoriedade provocou, nos anos 70, o fechamento de 60% dos cinemas e uma queda de 70% no número de ingressos de cinema vendidos.
Os números não mentem: em 1969, quando a cota de exibição de filmes brasileiros era de 56 dias por ano, o Brasil tinha mais de 3.500 salas de cinema, que vendiam, anualmente, 300 milhões de ingressos. A partir da inauguração da Embrafilme, no fim de 1969, produtores e diretores começaram a pressionar o governo para aumentar a cota. De 56 dias/ano, passou para 77 dias em 1970, 84 dias em 1971, 112 dias em 1975, e chegou a 140 dias, em 1980.
No mesmo período, o Brasil perdeu quase 2.000 salas de cinema, uma a cada dia e meio. Pode-se traçar um curioso gráfico comparando o aumento da cota de exibição de filmes nacionais com o número de cinemas e de bilhetes vendidos no país. São exatamente inversos: quanto mais sobe a cota, mais cinemas fecham e menos ingressos saem das bilheterias.
A explicação é simples: salas que exibiam filmes brasileiros ficavam, com algumas exceções, vazias. Isso não era resultado de nenhuma "maquinação imperialista", mas de simples opção do público. Jabor afirma que o cinema brasileiro chegou a ocupar 30% das salas, mas não diz que ocupar as salas não significa, necessariamente, vender ingressos. Pergunte para qualquer exibidor dos anos 70 e ele lembrará o tempo em que era forçado a manter um filme nacional em exibição por meses.
Vale a pena citar que o gradual aumento na cota de exibição acabou realmente equilibrando um pouco a diferença entre o percentual de ingressos vendidos para filmes estrangeiros e nacionais. Se, em 1971, com a cota de 84 dias/ano, filmes estrangeiros arrecadaram 86% do total de bilheteria do país, em 1980, quando a cota já atingira 140 dias/ano, o cinema nacional passaria a vender 30% do total de ingressos.
Esse número, no entanto, é enganoso. O aumento percentual da bilheteria de filmes nacionais foi provocado não por um súbito interesse do público, mas por dois fatores: pela queda no número de filmes importados (com o fechamento de cinemas, as empresas estrangeiras começaram a importar cada vez menos filmes para o Brasil, passando de cerca de 500 filmes/ano no início da década de 70 para 152 filmes em 1980) e pela explosão da indústria de cinema erótico nacional, que chegaria a dominar 60% do mercado de filmes brasileiros.
As leis de obrigatoriedade acabaram diminuindo o público para filmes brasileiros. Se, em 1971, filmes nacionais arrecadavam 14% de um total de 300 milhões de ingressos (42 milhões de bilhetes), em 1980 passariam a vender apenas 30% de 100 milhões, um total de 30 milhões, sendo que quase 60% dos ingressos correspondiam a filmes de sexo explícito.
Em vez de ficar clamando por protecionismo, nossos cineastas deveriam mirar-se no exemplo da MPB, que nunca precisou de reserva de mercado para fazer sucesso. "Dona Flor...", "Pixote" e os filmes dos Trapalhões obtiveram êxito por causa de sua qualidade e apelo comercial, não pelas maquinações de burocratas. O sucesso de "Central do Brasil" prova, mais uma vez, o óbvio: é só fazer filmes bons que o público comparece.


André Barcinski é Diretor de Redação da revista "Trip"


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