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RÉPLICA
Cota para cinema é desastre
ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha
Em artigo publicado em 8 de
junho na Ilustrada, Arnaldo
Jabor faz a defesa da reserva de
mercado para o cinema brasileiro e reclama dos donos de cinema que não cumprem a lei de
proteção que obriga as salas a
exibir filmes brasileiros durante 49 dias por ano. Peço licença
para meter o bedelho e discordar do colunista. Obrigar cinemas a exibir filmes brasileiros
só pode resultar em desastre.
Jabor justifica sua defesa da
cota de exibição para filmes nacionais com o seguinte argumento: "O cinema brasileiro só
ocupa 5% das salas de exibição,
enquanto nos anos 70 chegamos a ter 30% das salas, com
sucesso". O colunista só se esquece de mencionar que a lei de
obrigatoriedade provocou, nos
anos 70, o fechamento de 60%
dos cinemas e uma queda de
70% no número de ingressos de
cinema vendidos.
Os números não mentem: em
1969, quando a cota de exibição
de filmes brasileiros era de 56
dias por ano, o Brasil tinha
mais de 3.500 salas de cinema,
que vendiam, anualmente, 300
milhões de ingressos. A partir
da inauguração da Embrafilme,
no fim de 1969, produtores e diretores começaram a pressionar o governo para aumentar a
cota. De 56 dias/ano, passou
para 77 dias em 1970, 84 dias
em 1971, 112 dias em 1975, e
chegou a 140 dias, em 1980.
No mesmo período, o Brasil
perdeu quase 2.000 salas de cinema, uma a cada dia e meio.
Pode-se traçar um curioso gráfico comparando o aumento da
cota de exibição de filmes nacionais com o número de cinemas e de bilhetes vendidos no
país. São exatamente inversos:
quanto mais sobe a cota, mais
cinemas fecham e menos ingressos saem das bilheterias.
A explicação é simples: salas
que exibiam filmes brasileiros
ficavam, com algumas exceções, vazias. Isso não era resultado de nenhuma "maquinação imperialista", mas de simples opção do público. Jabor
afirma que o cinema brasileiro
chegou a ocupar 30% das salas,
mas não diz que ocupar as salas
não significa, necessariamente,
vender ingressos. Pergunte para qualquer exibidor dos anos
70 e ele lembrará o tempo em
que era forçado a manter um
filme nacional em exibição por
meses.
Vale a pena citar que o gradual aumento na cota de exibição acabou realmente equilibrando um pouco a diferença
entre o percentual de ingressos
vendidos para filmes estrangeiros e nacionais. Se, em 1971,
com a cota de 84 dias/ano, filmes estrangeiros arrecadaram
86% do total de bilheteria do
país, em 1980, quando a cota já
atingira 140 dias/ano, o cinema
nacional passaria a vender 30%
do total de ingressos.
Esse número, no entanto, é
enganoso. O aumento percentual da bilheteria de filmes nacionais foi provocado não por
um súbito interesse do público,
mas por dois fatores: pela queda no número de filmes importados (com o fechamento de cinemas, as empresas estrangeiras começaram a importar cada
vez menos filmes para o Brasil,
passando de cerca de 500 filmes/ano no início da década de
70 para 152 filmes em 1980) e
pela explosão da indústria de
cinema erótico nacional, que
chegaria a dominar 60% do
mercado de filmes brasileiros.
As leis de obrigatoriedade
acabaram diminuindo o público para filmes brasileiros. Se,
em 1971, filmes nacionais arrecadavam 14% de um total de
300 milhões de ingressos (42
milhões de bilhetes), em 1980
passariam a vender apenas
30% de 100 milhões, um total
de 30 milhões, sendo que quase
60% dos ingressos correspondiam a filmes de sexo explícito.
Em vez de ficar clamando por
protecionismo, nossos cineastas deveriam mirar-se no
exemplo da MPB, que nunca
precisou de reserva de mercado
para fazer sucesso. "Dona
Flor...", "Pixote" e os filmes dos
Trapalhões obtiveram êxito
por causa de sua qualidade e
apelo comercial, não pelas maquinações de burocratas. O sucesso de "Central do Brasil"
prova, mais uma vez, o óbvio: é
só fazer filmes bons que o público comparece.
André Barcinski é Diretor de Redação da
revista "Trip"
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