São Paulo, sábado, 18 de julho de 1998

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Originais de Lispector estão desaparecidos


Para a reedição corrigida de 23 livros, que começam a ser lançados no dia 27, editora Rocco utiliza primeiras edições; apenas dois manuscritos da escritora estão preservados.


PATRICIA DECIA
enviada especial ao Rio

Tudo começou porque ela não queria ficar ausente, longe dos filhos. O hábito venceu, e foi no sofá da sala, com a máquina portátil sobre os joelhos, que Clarice Lispector (1920-1977) escreveu grande parte de sua obra.
A máquina está preservada no arquivo-museu da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio. Já as páginas produzidas nela, originais de romances como "A Hora da Estrela" e "A Maçã no Escuro", ninguém sabe onde estão.
Numa obra que reúne pelo menos 25 livros, há apenas duas exceções: os originais de "Água Viva" e do conto "A Bela e a Fera", ambos na Casa de Rui Barbosa.
A ausência da maioria dos datiloscritos de Clarice, para usar o termo técnico, é um mistério tanto para a família quanto para amigos, biógrafos e pesquisadores.
E transformou-se também num problema para a professora Marlene Gomes Mendes, responsável por estabelecer o texto para a reedição de 23 livros da autora, que a Rocco começa a colocar no mercado no dia 27.
Nessa data, serão lançados "Perto do Coração Selvagem", "Laços de Família", "A Paixão Segundo G.H.", "Felicidade Clandestina" e "A Hora da Estrela" (leia quadro na página).
Não se trata de edição crítica, mas de uma tentativa de corrigir distorções, alterações de pontuação, mudança ou supressão de palavras a que os textos foram submetidos durante seguidas reedições nas mãos de revisores.
Especialista em crítica textual, disciplina que faz uma historiografia do texto, a carioca Marlene Gomes não tem certeza de estar trabalhando exatamente com o que Lispector escreveu.
Sua saída foi estabelecer um critério a partir de depoimentos de familiares, amigos e da própria Clarice. "Ela dizia que um texto publicado é um texto morto, que não revia a obra. Assim, decidi utilizar as primeiras edições como a coisa mais próxima, mais fidedigna ao original", afirmou.
A única exceção acontece com "A Cidade Sitiada". Em uma carta a um possível editor francês, Clarice afirma que o livro precisaria de uma revisão profunda e que ela estava disposta a fazê-lo.
As principais explicações para o sumiço dos originais, segundo depoimentos (leia texto ao lado), é a despreocupação da autora em preservá-los e a mudança constante de editora. Na época, era costume jogar fora originais. No entanto não há registros confirmando a destruição desse material.
"A atitude de Clarice em relação aos seus textos era contraditória. Mostrava-se preocupada com detalhes da escrita, que lhe exigiam modificar o texto muitas vezes. Escreveu 11 vezes "A Maçã no Escuro', para saber, segundo afirma, o que "estava querendo dizer'", disse a professora Nádia Battella Gotlib, autora da biografia "Clarice, uma Vida que se Conta" (Ática), agora em sua 5ª edição.
O método de Clarice ao escrever um livro compunha-se de duas etapas. Num primeiro momento, ela fazia anotações soltas, a qualquer hora do dia, em qualquer lugar e qualquer tipo de papel, como guardanapos, envelopes e canhotos de cheque. Depois, vinha a organização dos fragmentos, à máquina, dando forma aos livros.
A escritora Olga Borelli, amiga de Clarice, principalmente em seus últimos anos de vida, diz que as anotações que deram origem ao livro "Um Sopro de Vida", organizado por ela, também existem.
"Encontrei uma mala cheia de papéis no apartamento. Fiz o livro, e entreguei-os ao Paulo, seu filho", afirmou a autora de "Clarice Lispector: Esboço para um Possível Retrato" (Nova Fronteira).
Segundo Eliane Vasconcelos, diretora do arquivo-museu da fundação, esse material não está entre os papéis doados por Paulo Gurgel Valente após a morte da escritora.
No entanto, nesse arquivo, estão originais das contribuições de Clarice para o jornal "Correio da Manhã", em que ela escrevia uma seção com dicas de beleza e truques para donas de casa sob o pseudônimo Helen Palmer, e críticas em língua estrangeira, umas traduzidas, umas com correções.



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