São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

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"UM ASSASSINO PARA O PAPA"

Autor foi repórter do "The New York Times"

Obra de Tad Szulc romanceia conspiração no Vaticano

RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

As velhas teorias de conspiração pipocam sempre que ocorrem eventos da magnitude do atentado ao papa João Paulo 2º, em maio de 1981. Para alguns, certamente o atentado foi resultado de uma conspiração comunista envolvendo a polícia secreta da Bulgária e de Moscou; outros estão certos de que foi um complô de fundamentalistas islâmicos.
Para Tad Szulc, velho correspondente do "The New York Times", o caso poderia mesmo ser tratado como um ato de fundamentalistas, mas, surpreendentemente, de fundamentalistas da própria Igreja Católica, contrários à modernização da instituição.
Essa é a tônica de "Um Assassino para o Papa". Szulc dá um tratamento de ficção à sua teoria, segundo ele mesmo para assegurar o anonimato de suas fontes no Vaticano. O papa polonês é então substituído por Gregório 17, um francês, devoto de Nossa Senhora de Fátima, que teve ligações com a Resistência durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A história se desenrola através das investigações de um padre jesuíta norte-americano que até já tinha sido da CIA, Tim Savage, e de sua assistente, a irmã Ângela.
Os outros personagens do Vaticano fazem referência mais direta aos envolvidos na história real, como ao turco Ali Agca, que foi o autor material dos tiros que quase mataram João Paulo 2º, e a Joseph Ratzinger, o todo-poderoso cardeal alemão, dirigente da Congregação para a Doutrina da Fé (que representa a ortodoxia católica).
Não deixa de ser engraçado que um jesuíta se meta a James Bond, tendo aparecido até aquela tensão sexual entre ele e sua assistente -não é exatamente um tipo de relacionamento aprovado pela igreja. Mas os elementos do romance de espionagem estão lá: belas cidades, como Paris e Istambul; os bons e os maus; o herói numa crise de identidade. Não deve decepcionar os fãs do gênero.
Há partes interessantes sobre a história da Igreja Católica, o que pode ser considerado um diferencial em relação aos demais romances que apenas abusam dos batidos clichês de 007.
Mas o grande diferencial é Szulc, morto em maio, aos 74 anos, depois de uma longa luta contra o câncer. Correspondente internacional do "The New York Times" de 1953 a 1972, o jornalista polonês esteve presente em algumas das principais investigações do periódico e fez boas biografias de personagens importantes, como a biografia do próprio papa João Paulo 2º e a de Fidel Castro.
Educado na Suíça e no Brasil -fez faculdade no Rio de Janeiro durante a Segunda Guerra, antes de emigrar para os EUA-, ele foi o primeiro jornalista a mandar notícias do golpe venezuelano de 1959, quando o ditador Marco Pérez Jiménez foi derrubado. Ele viu "in loco" a Primavera de Praga e o fim do movimento, com a invasão da Tchecoslováquia, em 1968.
O homem certo no lugar certo, mesmo quando dava azar, as coisas saíam bem para ele. Em 1955, quando ocorreu o esperado golpe peronista na Argentina, Szulc estava em Santiago, no Chile, cobrindo um encontro de pescadores. Impedido de voltar a Buenos Aires, ele fez a cobertura toda a partir do vizinho.
Como a censura na Argentina impedia a saída de informações dos correspondentes internacionais, foi o "exilado" Szulc quem conseguiu se sobressair na cobertura, até conseguir entrar no país clandestinamente.
Mas seu caso mais famoso foi ter anunciado com exclusividade na grande imprensa o complô da CIA com cubanos exilados para invadir a ilha de Fidel, em 1961, o que acabou na conhecida invasão da baía dos Porcos. Num daqueles lances de sorte, ele estava de passagem por Miami quando achou a trilha da história, publicada na primeira página do "The New York Times" , poucas semanas antes da desastrada invasão.
"Se vocês tivessem publicado mais sobre a operação, teriam me evitado um desastre colossal", mais tarde teria dito o então presidente, John Kennedy.


Um Assassino para o Papa
To Kill the Pope
  
Autor: Tad Szulc
Tradutor: Domingos Demasi
Editora: Record
Quanto: R$ 34 (412 págs.)



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