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LIVROS
Ensaios exaltam revolução do cinema mudo
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Durante muitos
anos, o debate acerca da passagem do
cinema mudo ao
sonoro ficou restrito a um estéril Fla-Flu.
De um lado, postavam-se os
que apontavam a superioridade
do silencioso, que teria criado a
"verdadeira" linguagem do cinema, puramente visual. Para estes,
o uso do som teria feito o cinema
regredir a uma espécie de teatro
filmado, em que as palavras inibiam a invenção cinematográfica.
No outro time estavam os que
viam o advento do sonoro como
um passo essencial rumo à constituição de um meio de expressão
que se serviria da superfície sensível do mundo (imagem e som)
para constituir sua linguagem.
Em "As Sombras Móveis", o crítico e historiador Luiz Nazário recoloca a discussão sobre novas e
sólidas bases.
Sem esconder sua simpatia pelo
cinema mudo, Nazário parece
mais preocupado em mostrar a
riqueza de possibilidades estéticas dos primórdios do cinema e o
processo pelo qual esse tesouro
foi sendo saqueado e barateado
em favor da lógica industrial ou
do uso político repressivo.
Não por acaso, o primeiro ensaio, "Um Mundo Feito para a
Câmera", mostra como um punhado de criadores visionários
-de Méliès a Buster Keaton, passando por Abel Gance e Eric von
Stroheim- foram atropelados
por esse processo de domesticação comercial do cinema.
Em "A Essência da Slapstick
Comedy", Nazário delineia criticamente a trajetória do cômico do
cinema, revelando como seu potencial subversivo foi aproveitado
ou abortado, desde a primeira
piada cinematográfica, em "L'Arroseur Arrosé" (1895), de Louis
Lumière, até o humor solitário e
amargo dos últimos filmes de Jacques Tati.
"Contra o Cinema Conceitual"
reacende o debate em torno da
possibilidade de transformar
imagens cinematográficas (e a sua
combinação) em conceitos, como
foi tentado e teorizado pelo cinema soviético dos anos 20 e 30, sobretudo por Eisenstein.
Para Nazário, o cinema conceitual é uma ilusão e os filmes de Eisenstein sobrevivem muito mais
pela força de sua composição estética do que por seu pretenso papel educador das massas.
Em "A Revolta Expressionista",
o ensaísta está em seu elemento.
Falando de um cinema que conhece a fundo e que ama acima de
todos os outros, Nazário brinda o
leitor com um estudo fascinante
da estética revolucionária criada
no cinema alemão dos anos 20.
Cinema que utilizava a luz e a
sombra para esculpir um mundo
fantástico e infernal.
Lang e o nazismo
Mas talvez o texto mais contundente de todo o livro de Luiz Nazário seja o capítulo seguinte, "O
Caso Fritz Lang", em que o autor
desmonta pouco a pouco a auto-imagem de herói da democracia
construída pelo grande cineasta e
demonstra, à luz de documentos
inéditos e de uma leitura brilhante dos filmes de Lang, o sentido
protonazista da estética de sua fase alemã.
O último capítulo do livro, "Comemorações do Centenário", tem
um caráter mais informativo. A
partir de pesquisas realizadas pelo autor em vários países, traça-se
um balanço (alarmante, na maior
parte das vezes) da situação em
que se encontra a preservação da
memória cinematográfica pelo
mundo afora.
Em todo o livro, Nazário empreende uma abordagem global,
multidisciplinar, dos assuntos
que trata. Com admirável desenvoltura, passa da contextualização histórica à anedota biográfica
e desta à análise estética, refaz o
percurso em sentido inverso, entrelaça informação com opinião
pessoal -tudo isso com um estilo claro e elegante.
Pode-se não concordar com todas as conclusões de Nazário, ou
mesmo com nenhuma delas, mas
é impossível ficar indiferente às
provocações de seu pensamento
poderoso, original e, sobretudo,
independente.
Avaliação:
Livro: As Sombras Móveis - Atualidade
do Cinema Mudo
Autor: Luiz Nazário
Lançamento: editora UFMG (tel. 0/xx/
31/499-4650)
Quanto: R$ 25 (334 páginas)
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