São Paulo, Sábado, 18 de Setembro de 1999
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LIVROS

Ensaios exaltam revolução do cinema mudo

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas


Durante muitos anos, o debate acerca da passagem do cinema mudo ao sonoro ficou restrito a um estéril Fla-Flu.
De um lado, postavam-se os que apontavam a superioridade do silencioso, que teria criado a "verdadeira" linguagem do cinema, puramente visual. Para estes, o uso do som teria feito o cinema regredir a uma espécie de teatro filmado, em que as palavras inibiam a invenção cinematográfica.
No outro time estavam os que viam o advento do sonoro como um passo essencial rumo à constituição de um meio de expressão que se serviria da superfície sensível do mundo (imagem e som) para constituir sua linguagem.
Em "As Sombras Móveis", o crítico e historiador Luiz Nazário recoloca a discussão sobre novas e sólidas bases.
Sem esconder sua simpatia pelo cinema mudo, Nazário parece mais preocupado em mostrar a riqueza de possibilidades estéticas dos primórdios do cinema e o processo pelo qual esse tesouro foi sendo saqueado e barateado em favor da lógica industrial ou do uso político repressivo.
Não por acaso, o primeiro ensaio, "Um Mundo Feito para a Câmera", mostra como um punhado de criadores visionários -de Méliès a Buster Keaton, passando por Abel Gance e Eric von Stroheim- foram atropelados por esse processo de domesticação comercial do cinema.
Em "A Essência da Slapstick Comedy", Nazário delineia criticamente a trajetória do cômico do cinema, revelando como seu potencial subversivo foi aproveitado ou abortado, desde a primeira piada cinematográfica, em "L'Arroseur Arrosé" (1895), de Louis Lumière, até o humor solitário e amargo dos últimos filmes de Jacques Tati.
"Contra o Cinema Conceitual" reacende o debate em torno da possibilidade de transformar imagens cinematográficas (e a sua combinação) em conceitos, como foi tentado e teorizado pelo cinema soviético dos anos 20 e 30, sobretudo por Eisenstein.
Para Nazário, o cinema conceitual é uma ilusão e os filmes de Eisenstein sobrevivem muito mais pela força de sua composição estética do que por seu pretenso papel educador das massas.
Em "A Revolta Expressionista", o ensaísta está em seu elemento. Falando de um cinema que conhece a fundo e que ama acima de todos os outros, Nazário brinda o leitor com um estudo fascinante da estética revolucionária criada no cinema alemão dos anos 20. Cinema que utilizava a luz e a sombra para esculpir um mundo fantástico e infernal.

Lang e o nazismo
Mas talvez o texto mais contundente de todo o livro de Luiz Nazário seja o capítulo seguinte, "O Caso Fritz Lang", em que o autor desmonta pouco a pouco a auto-imagem de herói da democracia construída pelo grande cineasta e demonstra, à luz de documentos inéditos e de uma leitura brilhante dos filmes de Lang, o sentido protonazista da estética de sua fase alemã.
O último capítulo do livro, "Comemorações do Centenário", tem um caráter mais informativo. A partir de pesquisas realizadas pelo autor em vários países, traça-se um balanço (alarmante, na maior parte das vezes) da situação em que se encontra a preservação da memória cinematográfica pelo mundo afora.
Em todo o livro, Nazário empreende uma abordagem global, multidisciplinar, dos assuntos que trata. Com admirável desenvoltura, passa da contextualização histórica à anedota biográfica e desta à análise estética, refaz o percurso em sentido inverso, entrelaça informação com opinião pessoal -tudo isso com um estilo claro e elegante.
Pode-se não concordar com todas as conclusões de Nazário, ou mesmo com nenhuma delas, mas é impossível ficar indiferente às provocações de seu pensamento poderoso, original e, sobretudo, independente.


Avaliação:     

Livro: As Sombras Móveis - Atualidade do Cinema Mudo
Autor: Luiz Nazário
Lançamento: editora UFMG (tel. 0/xx/ 31/499-4650)
Quanto: R$ 25 (334 páginas)


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