São Paulo, Sábado, 18 de Setembro de 1999
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Jornalista resgata obra de Olney São Paulo


JAIRO FERREIRA
especial para a Folha

"A Peleja do Cinema Sertanejo", o livro da jornalista Angela José sobre a obra do diretor Olney São Paulo (1936-1978), é emocionante. Impressiona a forma, simples e contundente, com que resgata visceralmente a obra pouco conhecida desse cineasta mártir ao mesmo tempo em que joga focos de luz nos anos de chumbo da recente história do Brasil.
O livro surpreende os que conheceram os três longas-metragens de Olney São Paulo -"Grito da Terra" (1964), "O Forte" (1974) e "Ciganos do Nordeste" (1976)- e desperta curiosidade nas novas gerações ao revelar toda a verdade sobre o média-metragem "Manhã Cinzenta" (1969). Este é certamente um dos filmes mais polêmicos da época -devido a ele Olney foi preso e teria sido torturado.
"A única vez em que tive a sorte de cruzar com Orson Welles, em um festival de Cannes nos anos 70, logo que me identifiquei como cineasta brasileiro o gênio norte-americano perguntou sobre Olney São Paulo. E justificou sua curiosidade dizendo que vira o "extraordinário" "Manhã Cinzenta'", escreve o documentarista Orlando Senna na orelha do livro.
Afora, devo dizer que eu também assisti ao filme e, inclusive, conheci Olney quando cobria a Jornada do Curta-Metragem, em Salvador, Bahia, para esta Folha, em 1977.

Criatividade
O que se depreende da leitura do livro é que a obra de Olney São Paulo empata em criatividade com a sua vida, terrivelmente sofrida. A jornalista Angela José não deixa, porém, que as paixões prevaleçam e faz um minucioso e destemido relato dos fatos num autêntico inventário de toda uma época que abrigou o melhor dos movimentos cinema novo e pós-novo.
Essa peleja sertaneja é narrada de forma linear, resgatando a trajetória completa de Olney, que começou sua carreira cinematográfica como continuísta de "Mandacaru Vermelho" (1961), de Nelson Pereira dos Santos.
O sertanejo é, antes de tudo, um forte, diz a lenda. E o cineasta baiano das terras secas filma sertanejos e ciganos numa clara preferência pelo nômade, longe do esquema sedentário.
"Nasci cineasta, no ano de 1936, em terras de Riachão do Jacuípe. E o cinema foi um vento norte jogado em minhas veias primeiro pela força criadora de John Ford e depois pelo lirismo de Vittorio de Sica", escreveu Olney na "Revista da Bahia", em 1965.
Inevitável sacada, seu cinema é uma paixão dos fortes, do sertão à cidade aberta: "Manhã Cinzenta" se ambienta em 1968, no Rio de Janeiro, durante as passeatas do movimento estudantil.

Versão kafkiana
O capítulo mais revelador do livro leva o título "O Guerreiro da Imagem Contra o Anjo Exterminador". Uma velha história, mas no Brasil era inédita: como o autoritarismo mata um poeta. Trata-se apenas de uma kafkiana versão local do que se verificou com García Lorca na Espanha ou com Almereyda (pai do cineasta Jean Vigo) na França.
"Finalizado em meados de 1969, "Manhã Cinzenta" ficou com 21 minutos de duração, e Olney pretendia transformá-lo num dos episódios de um longa-metragem. Uma das histórias já teria sido filmada, revelava aos jornais, por Andrea Tonacci, com Paulo Gracindo, Irma Alvarez e Nelson Xavier. O filme era "Blá-Blá-Blá", rodado entre 1967 e 1968, e que, segundo Tonacci, foi feito "num instante de bastante raiva", de reação emocional diante de uma situação." (pág. 101)
"Manhã Cinzenta" é um soberbo mix de documentário e ficção. Olney foi feliz ao aludir ao integralismo nas partes de ficção e tudo se equilibra com as fantásticas cenas documentais captadas pela câmera ágil de José Carlos Avellar.
Eu disse feliz? Perdão, o cineasta pagou com a vida por um crime que não cometeu, pois não consta que tenha sido um assaltante de bancos. Foi apenas um guerrilheiro da imagem, um poeta, um doce de pessoa.


Jairo Ferreira é cineasta, crítico e autor de "Cinema de Invenção" (Embrafilme/Max Limonade, 1986)

Avaliação:     


Livro: Olney São Paulo - A Peleja do Cinema Sertanejo
Autora: Angela José
Lançamento: Quartet/Pulsar
Quanto: R$ 25 (208 págs.)


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