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Jornalista resgata obra de Olney São Paulo
JAIRO FERREIRA
especial para a Folha
"A Peleja do Cinema Sertanejo", o livro da jornalista Angela
José sobre a obra do diretor Olney
São Paulo (1936-1978), é emocionante. Impressiona a forma, simples e contundente, com que resgata visceralmente a obra pouco
conhecida desse cineasta mártir
ao mesmo tempo em que joga focos de luz nos anos de chumbo da
recente história do Brasil.
O livro surpreende os que conheceram os três longas-metragens de Olney São Paulo -"Grito
da Terra" (1964), "O Forte" (1974)
e "Ciganos do Nordeste"
(1976)- e desperta curiosidade
nas novas gerações ao revelar toda a verdade sobre o média-metragem "Manhã Cinzenta" (1969).
Este é certamente um dos filmes
mais polêmicos da época -devido a ele Olney foi preso e teria sido
torturado.
"A única vez em que tive a sorte
de cruzar com Orson Welles, em
um festival de Cannes nos anos
70, logo que me identifiquei como
cineasta brasileiro o gênio norte-americano perguntou sobre Olney São Paulo. E justificou sua curiosidade dizendo que vira o "extraordinário" "Manhã Cinzenta'",
escreve o documentarista Orlando Senna na orelha do livro.
Afora, devo dizer que eu também assisti ao filme e, inclusive,
conheci Olney quando cobria a
Jornada do Curta-Metragem, em
Salvador, Bahia, para esta Folha,
em 1977.
Criatividade
O que se depreende da leitura
do livro é que a obra de Olney São
Paulo empata em criatividade
com a sua vida, terrivelmente sofrida. A jornalista Angela José não
deixa, porém, que as paixões prevaleçam e faz um minucioso e
destemido relato dos fatos num
autêntico inventário de toda uma
época que abrigou o melhor dos
movimentos cinema novo e pós-novo.
Essa peleja sertaneja é narrada
de forma linear, resgatando a trajetória completa de Olney, que começou sua carreira cinematográfica como continuísta de "Mandacaru Vermelho" (1961), de Nelson Pereira dos Santos.
O sertanejo é, antes de tudo, um
forte, diz a lenda. E o cineasta
baiano das terras secas filma sertanejos e ciganos numa clara preferência pelo nômade, longe do
esquema sedentário.
"Nasci cineasta, no ano de 1936,
em terras de Riachão do Jacuípe.
E o cinema foi um vento norte jogado em minhas veias primeiro
pela força criadora de John Ford e
depois pelo lirismo de Vittorio de
Sica", escreveu Olney na "Revista
da Bahia", em 1965.
Inevitável sacada, seu cinema é
uma paixão dos fortes, do sertão à
cidade aberta: "Manhã Cinzenta"
se ambienta em 1968, no Rio de
Janeiro, durante as passeatas do
movimento estudantil.
Versão kafkiana
O capítulo mais revelador do livro leva o título "O Guerreiro da
Imagem Contra o Anjo Exterminador". Uma velha história, mas
no Brasil era inédita: como o autoritarismo mata um poeta. Trata-se apenas de uma kafkiana versão local do que se verificou com
García Lorca na Espanha ou com
Almereyda (pai do cineasta Jean
Vigo) na França.
"Finalizado em meados de 1969,
"Manhã Cinzenta" ficou com 21
minutos de duração, e Olney pretendia transformá-lo num dos
episódios de um longa-metragem. Uma das histórias já teria sido filmada, revelava aos jornais,
por Andrea Tonacci, com Paulo
Gracindo, Irma Alvarez e Nelson
Xavier. O filme era "Blá-Blá-Blá",
rodado entre 1967 e 1968, e que,
segundo Tonacci, foi feito "num
instante de bastante raiva", de reação emocional diante de uma situação." (pág. 101)
"Manhã Cinzenta" é um soberbo mix de documentário e ficção.
Olney foi feliz ao aludir ao integralismo nas partes de ficção e tudo se equilibra com as fantásticas
cenas documentais captadas pela
câmera ágil de José Carlos Avellar.
Eu disse feliz? Perdão, o cineasta
pagou com a vida por um crime
que não cometeu, pois não consta
que tenha sido um assaltante de
bancos. Foi apenas um guerrilheiro da imagem, um poeta, um doce
de pessoa.
Jairo Ferreira é cineasta, crítico e autor de
"Cinema de Invenção" (Embrafilme/Max Limonade, 1986)
Avaliação:
Livro: Olney São Paulo - A Peleja do
Cinema Sertanejo
Autora: Angela José
Lançamento: Quartet/Pulsar
Quanto: R$ 25 (208 págs.)
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