São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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"A ÚLTIMA ESCALA DO VELHO CARGUEIRO"

Mutis desafia sua habilidade ao singularizar aparente banalidade

Omar Torres - 12.dez.2001/France Presse
O escritor colombiano Álvaro Mutis, Prêmio Cervantes de 2001, em sua casa, na Cidade do México


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Álvaro Mutis não tem a fama internacional tão consolidada como o compatriota Gabriel García Márquez. Tampouco integra o grupo de badalados escritores do realismo urbano colombiano, como Efraim Medina Reyes. Por fim, também não se alinha ao trabalho do marginal e extraordinário Fernando Vallejo, espécie de Céline dos Andes, que construiu toda a obra a partir da idéia de que a Colômbia é um país inviável por causa... dos colombianos.
Menos incisivo que todos eles, Mutis, 81, construiu, porém, uma carreira literária homogênea e de qualidade, coroada, em 2001, com o Cervantes, prêmio maior da literatura de língua hispânica.
Autor de mais de 20 livros, ficou famoso pelas aventuras do personagem Maqroll, marinheiro que protagoniza sete deles, e pela proximidade com a intelectualidade do México (país onde vive) dos anos 60, de autores como Octavio Paz, Carlos Fuentes e Luis Buñuel, entre outros.
Este "A Última Escala do Navio Cargueiro" é um livro pouco ousado, até convencional, mas belo e fundado numa atmosfera onírica.
A história parece, à primeira vista, um tanto banal. Um homem, cuja profissão está ligada ao mar, vê-se frente a frente, em quatro momentos distintos da vida e sempre por acaso, diante de um velho navio cargueiro.
Os encontros acontecem em pontos diferentes e improváveis do planeta: podem ser em Helsinque, Punta Arenas, Kingston ou na foz do rio Orinoco.
Seguem-se, paralelas, duas reflexões. Uma, sobre a relação entre deslocamento e auto-conhecimento ("A partir de certa idade, só duas ou três idéias passam a reger e a despertar o nosso interesse. Da mesma forma, os vários lugares da Terra que consideramos ideais podem ser reduzidos a dois ou três, e mesmo assim já acho que é muito"). A outra, trata do estranhamento em relação às repetidas coincidências. Estranhamento que, no caso do protagonista, logo evolui para uma verdadeira obsessão de traços míticos.
Num segundo momento, o protagonista é apresentado, mais uma vez por acaso, a um velho capitão basco. Na seqüência, vem a saber que ele comandou aquela embarcação por breve período. O capitão lhe conta, então, o intenso romance que teve com a dona do barco, uma rica e bela jovem libanesa, aparentemente desencantada com a cultura do Oriente.
O romance já havia acabado e o navio, naufragado, e o capitão agora navegava sem rumo pelo mundo, arrastando sua pena.
O que "A Última Escala do Velho Cargueiro" propõe é um jogo um tanto irônico. Mutis, no início, pede desculpas e se diz incapaz de, como escritor, contar a história de amor do capitão com o brilho que crê que ela merece.
Constrói, então, uma história de amor fazendo com que soe propositadamente corriqueira. Depois, defende que todas as histórias de amor devem ser, na verdade, apenas uma, a mais antiga de todas, e que só a literatura pode fazer de qualquer uma delas algo único e diferenciado do todo.
Assim, o que Mutis coloca em questão é sua própria habilidade de escritor. Ao leitor, cabe decidir se o que leu é uma narrativa banal ou especial e, assim, se ele, Mutis, é um autor capaz. Se é.


A Última Escala do Velho Cargueiro
    
Autor: Álvaro Mutis
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (154 págs.)



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