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"A ÚLTIMA ESCALA DO VELHO CARGUEIRO"
Mutis desafia sua habilidade ao singularizar aparente banalidade
Omar Torres - 12.dez.2001/France Presse
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O escritor colombiano Álvaro Mutis, Prêmio Cervantes de 2001, em sua casa, na Cidade do México |
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Álvaro Mutis não tem a fama internacional tão consolidada como o compatriota Gabriel García Márquez. Tampouco
integra o grupo de badalados escritores do realismo urbano colombiano, como Efraim Medina
Reyes. Por fim, também não se
alinha ao trabalho do marginal e
extraordinário Fernando Vallejo,
espécie de Céline dos Andes, que
construiu toda a obra a partir da
idéia de que a Colômbia é um país
inviável por causa... dos colombianos.
Menos incisivo que todos eles,
Mutis, 81, construiu, porém, uma
carreira literária homogênea e de
qualidade, coroada, em 2001, com
o Cervantes, prêmio maior da literatura de língua hispânica.
Autor de mais de 20 livros, ficou
famoso pelas aventuras do personagem Maqroll, marinheiro que
protagoniza sete deles, e pela proximidade com a intelectualidade
do México (país onde vive) dos
anos 60, de autores como Octavio
Paz, Carlos Fuentes e Luis Buñuel,
entre outros.
Este "A Última Escala do Navio
Cargueiro" é um livro pouco ousado, até convencional, mas belo e
fundado numa atmosfera onírica.
A história parece, à primeira
vista, um tanto banal. Um homem, cuja profissão está ligada ao
mar, vê-se frente a frente, em quatro momentos distintos da vida e
sempre por acaso, diante de um
velho navio cargueiro.
Os encontros acontecem em
pontos diferentes e improváveis
do planeta: podem ser em Helsinque, Punta Arenas, Kingston ou
na foz do rio Orinoco.
Seguem-se, paralelas, duas reflexões. Uma, sobre a relação entre deslocamento e auto-conhecimento ("A partir de certa idade,
só duas ou três idéias passam a reger e a despertar o nosso interesse.
Da mesma forma, os vários lugares da Terra que consideramos
ideais podem ser reduzidos a dois
ou três, e mesmo assim já acho
que é muito"). A outra, trata do
estranhamento em relação às repetidas coincidências. Estranhamento que, no caso do protagonista, logo evolui para uma verdadeira obsessão de traços míticos.
Num segundo momento, o protagonista é apresentado, mais
uma vez por acaso, a um velho capitão basco. Na seqüência, vem a
saber que ele comandou aquela
embarcação por breve período. O
capitão lhe conta, então, o intenso
romance que teve com a dona do
barco, uma rica e bela jovem libanesa, aparentemente desencantada com a cultura do Oriente.
O romance já havia acabado e o
navio, naufragado, e o capitão
agora navegava sem rumo pelo
mundo, arrastando sua pena.
O que "A Última Escala do Velho Cargueiro" propõe é um jogo
um tanto irônico. Mutis, no início, pede desculpas e se diz incapaz de, como escritor, contar a
história de amor do capitão com o
brilho que crê que ela merece.
Constrói, então, uma história de
amor fazendo com que soe propositadamente corriqueira. Depois, defende que todas as histórias de amor devem ser, na verdade, apenas uma, a mais antiga de
todas, e que só a literatura pode
fazer de qualquer uma delas algo
único e diferenciado do todo.
Assim, o que Mutis coloca em
questão é sua própria habilidade
de escritor. Ao leitor, cabe decidir
se o que leu é uma narrativa banal
ou especial e, assim, se ele, Mutis,
é um autor capaz. Se é.
A Última Escala do Velho Cargueiro
Autor: Álvaro Mutis
Editora: Record
Quanto: R$ 24,90 (154 págs.)
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