São Paulo, sexta, 18 de setembro de 1998

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A hora do cine trash nacional


Quase sem verba, um bombeiro, um camelô, um engenheiro e um fanzineiro fazem seus filmes em vídeo e super-8 e são comparados a Ed Wood, rei do gênero nos EUA



CARLOS BOZZO JUNIOR
especial para a Folha

O vídeo "Sepulcro Caiado" é do gênero "coronelismo". Custou R$ 13 mil para ser rodado pelo engenheiro, dono de uma rede de locadoras de vídeo, ator, diretor e roteirista do vídeo, Benedito Ferreira dos Santos, o Benedito Fersan, 45.
Ele nasceu em Anadia, interior de Alagoas, e saiu de lá, aos seis anos de idade, para morar com a família em Maceió.
Lá foi camelô, representante de remédios, trabalhou com serigrafia, teve três cursinhos preparatórios para o vestibular e trabalhou como professor de física e matemática de segundo grau.
"Sepulcro Caiado" está sendo considerado um cult pela crítica dos jornais locais.
No cartaz do vídeo, lê-se em letras vermelhas: "Muitos o odiava, alguns o admirava, mas poucos o conhecia!" (sic).
Fersan foi comparado ao cineasta norte-americano Ed Wood, famoso por filmes "Z", nos anos 50.
"Meu filme está pau a pau com "O Noviço Rebelde', do Renato Aragão. Na realidade, tem mais gente querendo alugar o meu, do que o dele. O SBT já está me procurando, acho que é para eu ir no programa do Jô", disse o diretor, que recebeu a Folha, em sua casa, em Maceió, e lá concedeu a entrevista a seguir.

Folha - Qual foi o primeiro filme a que você assistiu?
Benedito Fersan
- Não me lembro. Já vi tantos filmes nesse mundo que perdi a conta. De alguns ainda me lembro, como o "Coração de Luto", do Teixeirinha. Sempre fui fissurado em cinema. Quando era adolescente, o que era de cinema, em Maceió, eu rodava. E quando saturava, que eu já não tinha mais ao que assistir, assistia aos mesmos filmes novamente.
Folha - Como surgiu seu interesse pelo cinema?
Fersan
- Como já disse, sempre gostei de cinema, mas, há cerca de três anos, resolvi montar essa rede de locadoras, para diversificar um pouco minha vida. Acho que foi esse trabalho com os filmes, que despertou meu defunto de criança. Eu via muito filmes do Mazzaropi.
Cheguei a escrever para ele, porque eu queria entrar para o cinema, mas acabei deixando para lá e nunca mandei a carta. Depois que montei essas locadoras, pensei: "Por que não fazer um filme, que é uma coisa que gosto tanto?". Ninguém nasce sabendo. Resolvi fazer e criei um enredo baseado no que ocorre no Nordeste.
Folha - E o que ocorre?
Fersan
- No Nordeste, e no Brasil de uma forma geral, o que ocorre é a força do mais forte. É isso que manda. O pequeno que dance, maquiavelicamente. Além do mais, sempre fui fã de filmes de suspense, daquela coisa em que você não sabe o que que está acontecendo e só vai descobrir no final. Aqueles em que já se sabe, o fim não tem graça. Então escrevi um enredo sobre o coronelismo no Nordeste e fiz o filme, que é um vídeo, porque não tive dinheiro suficiente para fazer em película.
Folha - Em quanto tempo foi feito esse vídeo e quanto custou?
Fersan
- Gravei em um ano e oito meses. E gastei pouco, só R$ 13 mil. Tudo do meu bolso. É que foi um filme gravado em U-Matic. Se fosse em película, seria entre R$ 300 mil e R$ 400 mil. Quem sabe daqui a uns dez anos eu esteja fazendo filme em película.
Folha - Quantas cópias você fez desse vídeo?
Fersan
- Cerca de 200.
Folha - Fale sobre seus personagens.
Fersan
- Faço os personagens-chave do filme: O Dom Lucas, que é um personagem duplo, junto com o Dom Capautcho, que é uma figura obscura.
Folha - Foi fácil fazer esse vídeo?
Fersan
- Foi não. Queimei muita fita e mandei muita gente embora. Mas tudo como amigos, sem celeuma. Porque o pessoal que se afastou vai ter mais uma chance no próximo filme, que já tem o enredo todo montado, e começa a ser gravado neste mês.
Folha - Sobre o que será o próximo vídeo?
Fersan
- É o mesmo gênero, coronelismo, mas ainda não tem nome. Quero colocar um nome mais nosso, embora já tenha muitos títulos que estou estudando, como "Um Tiro pela Culatra" e "Lagoa na Seca". Será rodado nos finais de semana, em uma fazenda próxima à cidade de Anadia, e deverá custar por volta de R$ 30 mil. E, com certeza, vai ser mais violento e terá mais romance.
Folha - E sexo?
Fersan
- Olhe, sem falso moralismo, porque o que mais alugam nas minhas locadoras são os filmes pornôs. Eu sou fã incondicional do John Wayne. Quando perguntaram para ele o porquê dos filmes dele não terem cenas de sexo, ele respondeu que eram filmes para as famílias assistirem. Para mim, é a mesma coisa, faço filmes para as famílias assistirem.
Folha - O que é sepulcro caiado?
Fersan
- O nome quer dizer poder por dentro e limpo por fora. É um filme de suspense e ação, que fala do coronelismo. Uma obra fictícia, que trata do que ocorre no Terceiro Mundo e também no Primeiro Mundo. Só que no Primeiro Mundo ocorre de uma maneira sofisticada. Por exemplo, o que a máfia faz? Coisas absurdas, né? Não existe Deus para eles. Então eu criei um enredo sobre isso. Você pode matar uma pessoa de raiva, com um tiro ou com uma facada, só muda a conotação. Mas matar, você matou.
Folha - Quem você quer que assista a "Sepulcro Caiado"?
Fersan
- O povo, de um modo geral. O objetivo é esse. Evidente que tem o elitista, que é muito requintado, e não vai ver, né? Ou, talvez, ele veja por curiosidade -e só atrás das cortinas.
Folha - Um jornal local compara você ao cineasta Ed Wood. Você concorda com isso?
Fersan
- As pessoas às vezes exageram um pouco. No momento, não posso nem definir meu trabalho como é. Eu deixo que o povo defina.
Folha - Você conhece Ed Wood ou o trabalho dele como cineasta? Fersan - Não, francamente eu nunca vi nada dele e não tenho nem idéia de quem é esse homem.
Folha - O que você pretende com seu trabalho?
Fersan
- Que o povo veja e quebre a cabeça para descobrir o final. Quero mostrar um labirinto, e quem estiver assistindo que tente descobrir a saída dele. No meu trabalho condeno a safadeza e enalteço o que é correto.
Folha - Qual é o diretor de cinema que você admira?
Fersan
- Bruno Barreto. Ele deveria ter ganho o Oscar.
Folha - Qual foi o filme a que você assistiu ultimamente e gostou?
Fersan
- "O Que É Isso Companheiro?" é excelente. "Navalha na Carne", com a Vera Fischer, eu não gostei, porque não tem enredo. Só tem o trabalho dela como atriz.
Folha - Qual é o seu gênero de filme preferido?
Fersan
- Faroeste e suspense. Tem um filme do Clint Eastwood, chamado "Três Homens em Conflito", que é genial. Aquele Clint é sensacional.
Folha - Qual a reação das pessoas quando assistem a seu vídeo?
Fersan
- A maioria gosta muito.
Folha - O que é cinema?
Fersan
- É cultura e deve ser incentivado, apesar de ter gente fazendo coisas pura e simplesmente comerciais.
Folha - Como se aprende a fazer cinema?
Fersan
- Acho que é da pessoa. A escola ensina apenas uns 20%, o resto tem que vir com a pessoa.
Folha - Qual o conselho que você daria para quem está começando?
Fersan
- Se a pessoa gostar realmente e sentir que quer isso, deve estudar, para ter um caminho mais fácil. Se for doido como eu, que meta a cara e faça, né?
Folha - Você está contente com o resultado final de seu vídeo?
Fersan - Estou, embora seja meu primeiro trabalho, e a gente sempre comete erros. Minha filosofia é errar hoje cem vezes e amanhã, 99.
²
Vídeo: Sepulcro Caiado
Lançamento: Lux Vídeo Produções Independentes
Quanto: R$ 35
Onde encontrar: Distrivídeo (r. Libertadora Alagoana, 31, Maceió, tel. 082/326-2739)




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