São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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31ª Mostra de SP - Crítica/"Não Toque no Machado"

Aos 79, Rivette recria com energia duelo amoroso de Balzac

O diretor francês conta a história de uma paixão trágica em "Não Toque no Machado", adaptação de obra do escritor

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

É surpreendente que o melhor cinema francês continue a ser feito por diretores, hoje anciãos, da antiga nouvelle vague. Os novos filmes de Eric Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette são todos eles notáveis e vigorosos.
Rohmer, 87, dá uma lição de maestria e juventude espiritual em "Os Amores de Astrée e Celadon". Chabrol, 77, faz uma crônica demolidora da burguesia parisiense em "A Mulher Cortada ao Meio". E Rivette, aos 79, encarou com bastante energia a adaptação do romance de Balzac "A Duquesa de Langeais" no filme "Não Toque no Machado" (2006), que passa a partir de amanhã na Mostra.
"A Duquesa de Langeais" é o segundo livro da "História dos Treze", conjunto de três novelas escritas por Balzac entre 1833 e 1835 -as outras são "Ferragus" e "A Menina dos Olhos de Ouro". Todas têm em comum uma confraria de amigos dispostos a tudo para ajudarem uns aos outros.
Segundo o tradutor Paulo Rónai, o livro "é a história de um duelo entre uma mulher faceira e o seu apaixonado", uma trama de dois movimentos.
No primeiro, Antoinette de Langeais, casada, seduz o general Armand de Montriveau, um pouco por diversão, um pouco por exibicionismo, levando-o ao desespero, por ela não querer nem poder retribuir na mesma moeda amorosa.
No segundo movimento, Antoinette se descobre vítima de uma paixão furiosa pelo general, que, por vingança, resolve submeter a duquesa a uma tortura emocional semelhante a que ele sofreu.

Flashback
A novela começa numa ilha espanhola, onde o general reencontra a duquesa, enclausurada num convento. Faz um flashback para contar a história desse amor desencontrado e retorna à ilha para o desfecho trágico. Rivette seguiu a mesma ordem narrativa.
O diretor se concentra no principal do livro: o orgulho e a insegurança da nobreza da Restauração, o ressentimento amoroso e a guerra dos sexos expressa nos "combates verbais" (Rónai) da duquesa e do general (os ótimos Jeanne Balibar e Guillaume Depardieu).
O diálogo belicoso, muito bem adaptado, aproxima o filme do teatro, deslocamento que tanto atrai Rivette. Mas é outra a principal exploração cinematográfica de "Não Toque no Machado" -primeiro título dado por Balzac a seu livro.
O filme é construído como um estratagema de lugares fechados (as casas, os salões, os quartos, o convento...) que os amantes invadem e ocupam, onde eles se exibem, brigam e se ocultam, levando a disputa a se estender do diálogo ao espaço, da fala ao olhar. Com perfeito domínio dos planos, o diretor Jacques Rivette exibe as táticas do amor como uma perversa geopolítica da visão.


NÃO TOQUE NO MACHADO
Direção:
Jacques Rivette
Quando: amanhã, às 21h30, no Unibanco Arteplex 3; sáb., às 13h30, no Espaço Unibanco, e domi., às 21h, no Memorial da América Latina
Avaliação: ótimo


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