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32ª MOSTRA DE SP
Crítica/"Sonata de Tóquio"
Kiyoshi Kurosawa assina obra-prima
Um dos principais nomes do cinema japonês contemporâneo, diretor filma o cotidiano de família em processo de desintegração
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Hoje um dos nomes de
maior repercussão internacional do cinema
japonês contemporâneo, Kiyoshi Kurosawa emergiu em
meio à onda do J-Horror, os filmes de fantasmagorias na linha
de "O Chamado", que depois
ganharam o mundo via refilmagens hollywoodianas com mais
sustos e menos estilo.
Aparições, possessões, alterações psíquicas e uma atração
incontrolável por situações
apocalípticas habitam títulos
como "Cure" e "Pulse", sem
que isso autorize limitar o cinema de Kurosawa ao campo restrito de um gênero.
Em "Sonata de Tóquio", seu
filme mais recente e o primeiro
dele a ser apresentado numa
mostra, Kurosawa afasta-se,
aparentemente, do universo
das assombrações, filma o cotidiano familiar e assina uma
obra-prima.
O núcleo temático de "Sonata de Tóquio" é semelhante ao
visto em duas ficções francesas
relativamente recentes: "A
Agenda" e "O Adversário". Em
ambos, os protagonistas são
ajustados chefes de família submetidos às turbulências de
uma demissão. Kurosawa aborda a mesma premissa, mas não
segue nem o viés sociológico de
"A Agenda" nem o drama psicológico de "O Adversário".
O filme parte da situação de
crise individual e familiar para
expandir seus efeitos até patamares ambiciosos. Ao se descolar da zona do cinema de gênero, Kurosawa avança rumo a
perfis amarguíssimos da condição humana contemporânea,
cuja receita ocidental parece
bem guardada apenas pelo gênio de Cronenberg.
Entre intermináveis filas de
recolocação, entrevistas "nonsense" e perambulações por espaços da cidade associados à
sobrevida do lúmpen, o senhor
Sasaki passa a tênue linha que
separa o humano do inumano e
que costuma passar imperceptível em nossas experiências.
Kurosawa evita a solução
simplória do discurso como
fórmula de crítica social. Sua
saída audaciosa consiste em
deslocar o personagem central
para o terreno do cômico, aliviando o espectador do peso da
questão, enquanto prepara o
bote fatal que nos empurrará
para um abismo emocional na
parte final do filme.
Neste passo ganham peso as
trajetórias da senhora Sasaki e
do pequeno Kenji, ambas à deriva quando a figura do pai se
ausenta e passa a flutuar.
Por meio dos processos de
indeterminações nos quais lança seus personagens, o diretor
nos coloca cara a cara com sua
visão pessimista.
Enquanto personagens reagem como zumbis aos fracassos
das tentativas para se tornar alguém, o mundo segue apático
tanto às microtragédias quanto
ao macronaufrágio.
E, se algum lugar parece ainda protegido da desesperança,
este continua sendo a arte, único onde a beleza nos mantém a
salvo do horror.
SONATA DE TÓQUIO
Quando: amanhã, às 14h, no Espaço
Unibanco Pompéia 1; seg., às 19h40, no
Cinesesc
Classificação: não indicado a menores
de 14 anos
Avaliação: ótimo
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