São Paulo, Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Deus criou a noite e... Erika Palomino criou o "Babado Forte"

Paulo Giandalia/Folha Imagem
Erika Palomino, autora do livro "Babado Forte"; obra traz retratos da ferveção



da Reportagem Local

A jornalista Erika Palomino explica aqui como foi o processo de confecção de seu livro "Babado Forte", assume quais foram seus clubes preferidos e diz que seu livro não é saudosista, mas romântico. (CELSO FIORAVANTE)

Folha - A noite sempre tem momentos em que não acontece nada e momentos de muita efervescência. Esses momentos baixos não minam sua confiança na cena clubber?
Erika Palomino -
Eles não minam minha confiança, mas exigem mais trabalho. É preciso tirar água de pedra.

Folha - Nem nos momentos mais baixos você sentiu que esse filão já havia dado o que tinha de dar?
Palomino -
Não, porque eu sempre tive a consciência de que isso acontece em qualquer lugar do mundo. Em Nova York, por exemplo, depois da era disco, houve uma total depressão em termos de música. Até que a cena saísse do traço, demorou um pouco. Mas as pessoas sempre arrumam uma faísca de vida e de renovação, como é o caso das raves, que surgiram no Brasil logo depois do final do Hell's.

Folha - Esse seu desejo de registrar tudo o que se passou com a noite nos anos 90 não é um desejo saudosista em relação a momentos e personagens que marcaram a sua vida?
Palomino -
Sem dúvida. O livro começou como uma compilação de notas. Eu queria mostrar como aqueles procedimentos e como toda a atitude jornalística em relação à noite eram frescos. Em 1992, quando a coluna "Noite Ilustrada" começou, a situação era bastante diferente, não se falava em clubber, em moda clubber, em drag e em música eletrônica da maneira que tudo isso está disseminado hoje.
A minha idéia era mostrar que, na verdade, nós -nem eu como jornalista, nem aquelas pessoas que viviam daquela maneira- estávamos errados. O livro começou assim, de uma vontade de interromper esse período e recontextualizar todas aquelas informações.
Quis deixar registrado no papel coisas que não entraram na coluna, coisas que na época eu via de maneira diferente, contar um pouca essas histórias para as pessoas que estão chegando na noite agora. Não sei se tudo isso é saudosismo, mas com certeza o livro é nostálgico e romântico.

Folha - Na apresentação do livro você nega o seu caráter memorialístico, mas o que o livro traz é também a sua história. Como você conciliou essa necessidade de ver do lado de fora algo do qual você participou intensamente?
Palomino -
Tive a preocupação de não transformar o livro em meu diário. Tive até a solicitação dos editores para orientar o livro para o que eu vi, para a primeira pessoa, mas o meu vício de jornalista não me deixou fazer isso.
Eu fiz questão de dizer que não se trata da história definitiva dessa época, mas da minha visão como jornalista. Até porque, em uma noite, cada um tem a sua história. Embora eu também ache que a dignidade do papel acabe transformando o livro em verdade.

Folha - A linguagem do livro é muito jornalística. Você chega até a usar regras de estilo da Folha. Isso foi proposital?
Palomino -
Eu queria mesmo fazer jornalismo. Queria dar a maior munição possível para o leitor se aprofundar nos personagens, na história dos clubes. Existe nele uma preocupação em descrever os clubes como eles eram para as pessoas serem transportadas para aquela época.

Folha - Por que o livro demorou três anos para ficar pronto?
Palomino -
Eu tinha um prazo, mas o estourei em um ano e meio. Sempre tinha uma rave que eu queria incluir e isso me deixou preocupada. Era uma história que não acabava de ser contada.

Folha - Quais os clubes que marcaram a sua vida?
Palomino -
Acho que o Papagaio's, no Rio, foi importante durante a minha pré-adolescência. Eu ia no Roxy-Roller, na Lagoa, e numa noite daquelas eu entrei. Lembro-me de ter sentido tudo com muita intensidade.
O primeiro ano do Massivo também foi muito intenso para mim. Foi quando eu voltei a sair, depois que meus filhos tinham crescido um pouco. Foi também quando eu descobri todo esse universo. Isso coincidiu ainda com o surgimento da coluna. O Sra. Krawitz me marcou pois era uma experiência muito absurda de diversão, de noite, de nonsense. E por fim o Hell"s, que foi um divisor de águas não só para mim, mas também para uma boa parte das pessoas que estão na cena.

Folha - Qual a parte de que você mais gosta do livro?
Palomino -
Eu gosto da parte das festas do Sra. Krawitz. Elas eram tão saudáveis e inesperadas, como a Noite das Facas Guinzu ou Nossa Senhora do Make Up É Drag. Era uma diversão irônica e debochada. Era um clube que não tinha política social, sexual, de porta. Era um clube onde as pessoas iam apenas para se divertir. Não tinha o carão ao qual a cena clubber em São Paulo é associada.


Texto Anterior: Literatura: Palomino imortaliza a cena em livro
Próximo Texto: Charme e ambição dominam livro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.