São Paulo, Sexta-feira, 19 de Março de 1999
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ANÁLISE
Espanhol é o azarão

LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas

Dos cinco candidatos ao Oscar de filme estrangeiro, "Central do Brasil", de Walter Salles, é o que melhor resume uma sinceridade rara de cinema. E o resgate da inocência perdida.
É uma contradição, mas a torcida contra o lobby armado pela Miramax cega como em qualquer guerra fratricida.
Acabamos nos esquecendo de que o tipo de filme produzido ou promovido pela Miramax é um refresco em meio aos ácidos da temporada como "Armageddon" ou "Godzilla".
A Miramax globalizou o cinema inteligente. Irrita porque se vale dos mesmos recursos usados por produtores avessos ao modelo de cinema pensante.
É capaz de manobras radicais, como esconder filmes por um ano seguido, até o próximo Oscar. Fez isso com o australiano "Shine", repetiu agora com o iraniano "Filhos do Paraíso".
Seu único concorrente, em anos mais recentes, é o braço Sony Classics da conservadora Columbia. Sony Classics e Miramax dividem entre si os direitos globais de "Central Station" (ou "Central do Brasil"). Algo de errado?

Sem convite
O azarão da lista dos cinco títulos estrangeiros é o espanhol "El Abuelo" (O Avô), de Jose Luis Garci. Parece um intruso sem convite para a festa.
Prova que a indústria do cinema espanhol está sob influência de retrógrados.
Os melhores filmes espanhóis do ano são "Os Amantes do Círculo Polar", de Julio Meden, e "Barrio", de Fernando Leon de Aranda. Assim como em 98 era "Carne Trêmula", de Almodóvar, que nem sequer foi indicado.
"El Abuelo" é de fazer Buñuel revirar-se na cova. Lembra um cinema popular mexicano dos anos 40 ou 50.
Clerical, machista e monarquista, faz o monumental Fernando Fernan Gomez atuar como um nobre decadente preocupado em descobrir qual de suas duas netas é a legítima para que a sua linhagem não acabe.
Por via das dúvidas, a Miramax parece já ter garantidos os seus direitos de distribuição mundial.
O terrível é que os farejadores de mercados e tendências para Hollywood sempre descobrem com atraso em que novidade apostar. É como se o mundo real só existisse do momento em que Hollywood desse seu aval.
Foram-se dez anos até se darem conta da existência de um modesto cinema iraniano que pode ter mais espectadores do que muitas de suas produções milionárias.

Tudo, menos argentino
"Tango" é de Carlos Saura, da Sony Classics e só não é da Argentina. O seu status de co-produção reúne capital e talentos da Espanha, Itália, Alemanha e França.
É um belo filme no filão coreográfico descoberto por Saura desde que o seu cinema perdeu o eixo antifranquista. E insípido. Em suas imagens, a beleza se basta para excluir a reflexão.
Assim como o riso e a comoção se bastam para elevar o pequeno e delicioso filme do italiano Roberto Benigni à injusta categoria de obra-prima.
"A Vida é Bela", "Filhos do Paraíso" e "Central do Brasil" têm a fórmula de um cinema humanitário que surpreende o mundo pelo lastro de comoção e pelo público que leva aos cinemas.
Entre os três, o mais sincero e menos manipulado deles, o que chama a atenção e é premiado desde a fase do seu projeto no papel é o nosso "Central Station". Com Fernanda Montenegro de reboque, no lucro por sua indicação, trata-se já de uma grande vitória.


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