São Paulo, Sexta-feira, 19 de Março de 1999
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Categoria enigmática

AMIR LABAKI

Da equipe de articulistas


Com "Central do Brasil", indicação de Fernanda Montenegro à parte, o cinema brasileiro testa pela quarta vez sua sorte na mais idiossincrática de todas as categorias do Oscar -a de melhor filme em língua não-inglesa. Os próprios especialistas nos meandros da Academia reconhecem.
Um deles, John Harkness, na mais recente edição de sua enciclopédia sobre o prêmio (The Academy Awards Handbook, Pinnacle Film, 1999), é escancaradamente irônico sobre qualquer previsão. "Calcule cuidadosamente o filme que parece ter mais chance de vencer e o escolha. Calcule cuidadosamente o filme com menores chances e o escolha. Ou escolha o filme sobre o qual ninguém ouviu falar. Os três sistemas funcionam igualmente bem".
Historicamente, foi mesmo mais ou menos assim. Recentemente, porém, as coisas mudaram um pouco, sobretudo a partir da alteração em 1976 das regras para a categoria. A apresentação dos concorrentes manteve-se inalterada, com a indicação de uma produção por país, mas moralizou-se o sistema de votação, restringindo-se o eleitorado aos membros da Academia que de fato assistiram aos cinco indicados (antes todos votavam).
Principal mudança: dos últimos 21 vencedores, 16 eram cineastas virtualmente desconhecidos, não apenas dentro do provinciano mercado americano, mas mesmo no cenário internacional. As exceções foram o francês Bertrand Blier (Preparez Vos Mouchoirs, 78), o alemão Volker Schlondorff (O Tambor, 79), o húngaro István Szabó (Mephisto, 81), o sueco Ingmar Bergman (Fanny e Alexander, 83) e o russo Nikita Mikhalkov (O Sol Enganador, 94).
Uma tendência histórica, contudo, se manteve: a do eurocentrismo da premiação. Nos 50 anos de reconhecimento para produções em língua não-inglesa, apenas por seis vezes essa regra foi quebrada. Só uma vez o Oscar de filme estrangeiro reconheceu uma produção latino-americana: em 1985, com "A História Oficial", a reconstituição do drama dos "desaparecidos" na Argentina dirigido por Luiz Puenzo.
Dentro da Europa, França e Itália lideram a lista histórica de vencedores, com doze triunfos cada, contando-se os Oscars honorários atribuídos antes da oficialização plena da categoria a partir de 1956. A Itália, sim, de "A Vida É Bela" de Roberto Begnini, apresenta vantagem ainda em outro quesito: a dos diretores mais premiados. Vittorio de Sica e Federico Fellini contaram cada um quatro triunfos na categoria. Fellini leva vantagem na soma total pois recebeu ainda um Oscar honorário em 1992.
Se fecharmos o foco nas premiações mais recentes, digamos da última década, eis o cinema italiano exibindo mais uma vez sua força. Foram duas vitórias (Novo Cinema Paradiso, 89, Mediterrâneo, 91), empatadas na liderança com duas também do cinema holandês (A Extraordinária Vida de Antonia, 95, Caráter, 97) -ambas, aliás, contra filmes brasileiros (O Quatrilho e O Que É Isso Companheiro?).
O grande trunfo de "Central do Brasil" é o currículo de seu produtor internacional, Arthur Cohn. Cohn ostenta cinco Oscars em sua prateleria, três dos quais por vitórias nesta categoria. A dupla indicação do filme de Walter Salles já sinalizou sua força dentro da Academia.
Cohn é contudo um vitorioso de outros tempos, em que os concorrentes participavam ainda mais marginalmente do grande mercado fílmico americano. Um fator hoje importante é o poder de fogo publicitário das distribuidoras. O pesado arsenal da Miramax de "A Vida É Bela" bateu longe a artilharia da Sony de "Central do Brasil".
Mas falar em Oscar "comprado" é bobagem. As regras são essas não é de hoje. Neste ano, a disputa entre filmes estrangeiros assistiu a um choque de realidade e aproximou-se como nunca da guerra industrial aberta das demais categorias. Entendido este processo, "Central" já fez história, vitorioso ou não.


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