São Paulo, Sexta-feira, 19 de Março de 1999
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Pregadores maníacos do pop


Banda galesa Manic Street Preachers, maior unanimidade da crítica na Europa, tem seu premiado álbum lançado no Brasil


IGOR GIELOW
Editor-assistente de Brasil

Com um atraso de oito anos, chega ao Brasil um disco do Manic Street Preachers, a principal banda britânica da atualidade.
""This Is My Truth Tell Me Yours" é o mais importante lançamento internacional do começo do ano no país, ainda que provavelmente não vá repetir o sucesso que atingiu na Europa -onde vendeu 1,3 milhão de cópias.
""Me assusta pensar que alguém pode ouvir o Manic por aí", disse à Folha, por telefone, Sean Moore, o baterista do trio galês, quando informado que ""If You Tolerate This Your Children Will Be Next", carro-chefe do novo álbum, toca em algumas rádios de São Paulo.
A despeito de ter abocanhado os principais prêmios da crítica britânica, o Manic fala pouco a um país acostumado com banquinhos e violões e que gosta do sexismo cordial de grupos pseudo-regionais.
Ou talvez, nessas épocas de crise econômica e de identidade nacional, alguém possa se interessar por letras que cantam as ideologias perdidas, a perda de referenciais históricos e a falta de perspectiva frente ao mundo moderno.
Por 13 faixas, a banda passa por esses temas de forma pouco usual, por obra de seu letrista e ideólogo, o baixista Nicky Wire.
""If You Tolerate...", por exemplo, empresta seu título (""se você tolerar isso, seus filhos serão os próximos") do lema das Brigadas Internacionais, que combateram os fascistas de Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola (1936-39).
Tema insólito que conquistou o primeiro lugar nas paradas européias. Só no Reino Unido, o single vendeu mais que os dois primeiros álbuns da banda juntos e ajudou a garantir dois Brit Awards (melhor banda e álbum) no mês passado.
O som da banda mudou, com a adição radical de instrumentos diversos aos arranjos de cordas que haviam surgido em ""Everything Must Go" (96), como a cítara (""Tsunami") e a harmônica (""Ready For Drowning").
""Gostamos de experimentar. Não queremos ser como os Stones, que tocam a mesma coisa, a mesma "Gimme Shelter" há 30 anos", diz Moore. Para ele, que juntamente com o guitarrista e vocalista James Dean Bradfield é o responsável pelas melodias, é normal que as mudanças causem estranhamento ao público.
Mas ele não teme uma perda dos fãs que se acostumaram ao hard rock do primeiro disco e ao punk do terceiro, ""Holy Bible" (94).
Para alguns críticos britânicos, a mistura soa ao fim como uma releitura do rock progressivo. De fato, há algo de Pink Floyd (""You're Tender and You're Tired") e Yes (""Be Natural"), mas não dá para colocar a pesada ""Nobody Loved You" sob o mesmo rótulo.
A temática das letras é um caso à parte. Em 95, com o desaparecimento do então mentor do grupo, o letrista Richey James, a banda quase acabou. Ao voltar, em 96, o Manic abrandou as tintas escuras -embora mantenha a premissa de não fazer canções de amor.
Isso levou ao megassucesso de ""Everything Must Go" no Reino Unido, mas também a dúvidas sobre os rumos criativos da banda.
A resposta parece estar se delineando agora. Os temas políticos se acentuaram, e o sempre internacionalista (num sentido trotskista do termo) Manic Street Preachers passou a namorar um certo nacionalismo galês -reanimado na era Tony Blair.
""Ready For Drowning", por exemplo, lembra da inundação de cidades galesas na década de 60 para fornecer água para a inglesa Liverpool. E faz metáfora com a própria identidade do País de Gales: ""Para onde vamos? Nós não estamos prontos para nos afogar".
Mas Moore, um ex-funcionário público que nem sequer fala galês, rejeita a pecha de nacionalista. ""Esses dias, vi uma banda galesa ser chamada de "a nova sensação inglesa" na CNN. Isso só nos leva a falar mais de nosso país."
No novo trabalho, junto à política, veio a observação das mudanças internas em cada um, em especial no maníaco compulsivo assumido Nicky. ""My Little Empire" lembra que ele ""é feliz sendo triste, construindo um pequeno império" no microcosmo de sua casa.
""Estamos mais velhos mesmo. Não temos mais aquele desperdício de energia de antes, perdemos a pose", resume Moore.
Pode ser. Mas engana-se quem acha que acabou o ""working-class rage" (algo como ira da classe trabalhadora) da banda.
""Odiamos todas aquelas bandas que servem à hipocrisia dos americanos e fazem concertos para o Tibete. Eles deviam olhar para suas próprias casas", dispara Moore, que mantém a sinceridade ao falar sobre as chances de tocar no Brasil: ""Se a banda fosse grande o suficiente, adoraria. Mas admito que não tenho idéia sobre o país".

Disco: This Is My Truth Tell Me Yours
Banda: Manic Street Preachers
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 18, em média.



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