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"História das
Mulheres no
Brasil" mostra
que o ``sexo
frágil'' sempre
achou modos de
burlar a
repressão,
mesmo que com
feitiços, comida
ou sensualidade
Livro ilumina o feminino
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
Já se vão quase cinco décadas
desde que Simone de Beauvoir pôs
o dedo na ferida.
Em 1949, a filósofa francesa publicou "O Segundo Sexo", célebre tratado em que ousou dizer o
indizível: as mulheres, até aquele
momento, não tinham história.
Careciam de passado porque os
olhos dos historiadores enxergavam apenas as conquistas e os conflitos masculinos.
Sem um espelho para se mirar, a
auto-estima de meninas, moças e
senhoras sucumbia. O feminino
não se orgulhava de si mesmo.
Pensando em "iluminar as sombras que ainda resistem", a editora Contexto e a Unesp (Universidade Estadual Paulista) estão lançando, no dia 29, o livro "História
das Mulheres no Brasil".
O catatau de 678 páginas reúne
cerca de cem ilustrações e 20 artigos -19 assinados por pesquisadores e um pela escritora Lygia Fagundes Telles. É uma empreitada
pioneira, com vocação para obra
de referência.
"O volume, como indica o título, pretende revelar o que permaneceu e o que mudou no papel feminino durante os últimos 500
anos", define o historiador Jaime
Pinsky, idealizador do projeto e
proprietário da Contexto.
Entre os articulistas, há pesquisadores de 12 universidades, incluindo as de São Paulo (USP,
Unesp e PUC), a de Campinas
(Unicamp), a de Brasília (UnB) e
as federais fluminense, do Paraná,
e do Rio Grande do Sul.
Os ensaios, sem jargões acadêmicos, abordam diversos temas: as
índias tupinambás nos séculos 16 e
17, a sedução e o lesbianismo no
período colonial, as trabalhadoras
no Brasil urbano e as relações da
psiquiatria com a feminilidade.
Um ponto de vista permeia todos
os textos: o de que nem sempre as
mulheres aceitaram o papel de vítimas. Embora não negue a repressão que sofreram (e sofrem), o livro procura relativizá-la.
"Mergulhado em opressões, o
`sexo frágil' nunca se esquivou de
burlar, negociar, trair, matar. Para
se proteger, muitas vezes as mulheres lançaram mão justamente
daquelas características tidas como inferiores -o talento na cozinha, a sensualidade, a intimidade
com o mundo místico", explica a
historiadora da USP Mary del
Priore, que coordena o projeto e já
defendeu tese de doutorado sobre
a condição feminina no século 18.
Um dos ensaios conta, por
exemplo, que um paulistano se
descobriu traído em 1780 e repreendeu duramente a companheira adúltera. Ela, então, o
ameaçou com "arte diabólica e
feitiçaria".
Pouco depois, o marido caiu
doente. Relatos da época informam que a mulher "usou de embustes e superstições, e chegou a
confessar que dera a beber ao esposo o seu próprio mênstruo para
o enlouquecer e, da mesma sorte,
vidro moído, a fim de o matar".
Outra contribuição do livro é a
de mostrar que o trabalho remunerado feminino já existia no Brasil colonial.
"As brasileiras, desde aquela
época, contribuíam para a sobrevivência material da família, costurando ou vendendo doces", diz
Mary. "Só que o trabalho, por ser
doméstico, aparecia pouco."
Foi no final do século passado,
quando o país deu início à industrialização, que as mulheres arrumaram empregos fora de casa, em
fábricas, lojas e escolas.
O livro também demonstra como a imagem feminina se alterou
com o decorrer do tempo.
Até o século 18, a sociedade valorizava o ideal da "santa mãezinha" -a brasileira casta, que
pouco saía às ruas e mal sabia ler.
No século 19, o estereótipo se
aburguesou. A mulher precisava
aliar à castidade e à parcimônia o
papel de boa anfitriã: deveria recitar poemas, tocar piano, entreter
os convidados da casa (leia os dez
mandamentos à direita). Começava, assim, a se converter em capital
simbólico do marido -fardo que,
de certo modo, carrega até hoje.
Livro: "História das Mulheres no Brasil"
Coordenação: Mary del Priore
Lançamento: Contexto/Unesp
Quanto: R$ 75 (678 págs.)
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