São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2000


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CRÍTICA

Filme é o resgate do soldado Ben Hur

LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma idéia antiga na cabeça, uma câmera ultramoderna na mão e pronto, chegamos ao filme-celebração "O Gladiador", pão e circo para a plebe cinematográfica, que a partir de hoje está nas arenas escuras do país.
O filme é grande motivo para tirar de casa quem não se lembra muito de tradicionais épicos como "Ben Hur" (1959) e "Spartacus" (1960). E para quem se lembra de prazerosos momentos diante da TV, em "Sessões da Tarde" na Semana Santa ou em noites sangrentas na Record de outros tempos.
"O Gladiador" é, em definição rápida, o filme da reabilitação. Mostra a volta por cima do diretor inglês Ridley Scott, excelente contador de histórias, brilhante fazedor de heróis a partir das pessoas comuns, autor de clássicos do cinema moderno como "Alien" e "Blade Runner", mas que recentemente andou batendo sua fértil cabeça em filmes ruins.
Restabelece o nome do veterano Oliver Reed no alto dos créditos, esse ator inglês de marcantes atuações nos anos 60 e 70, mas entregue a papéis pouco relevantes desde então.
Resgata um gênero arquivado por Hollywood há 40 anos, à época um gênero esgotado, já ridicularizado, de altíssimo custo e portanto envolvido pela sombra gigante do fracasso.
E reafirma a chegada ao estrelato do "durão" ator Russell Crowe, a bola da vez de Hollywood, que depois de alguns filmes picaretas engatou três ótimas atuações e pimba: já é um dos atores-chave do cinema moderno, com sua mão neozelandesa repousando ao lado da estatueta do Oscar 2001.
Em "O Gladiador", Crowe é Maximus, um camponês digno, que ama Roma, sua mulher e seu filho. Seu amor pelo império leva-o também a ser um excelente general, liderando a sangrenta e difícil batalha contra os bárbaros germânicos, representantes do último reduto que separava Roma da dominação mundial. O ano é 180 d.C.
Doente e encantado com a fidelidade de Maximus, o imperador Marco Aurélio (Richard Harris) escolhe o fazendeiro como seu sucessor, despertando a ira de seu afetado filho legítimo, Commodus (Joaquin Phoenix).
De olho no trono, Commodus mata o pai e ordena o extermínio de Maximus e sua prole. Maximus escapa, mas seu filho e sua mulher não.
Combalido física e moralmente, é capturado por um comerciante de escravos e vai parar no Marrocos, nas mãos de Proximo (Oliver Reed), um forjador de gladiadores, que vai lhe ensinar o caminho de volta a Roma, ainda como escravo, mas perto do que mais quer: vingança, vingança.
Os primeiros momentos de "O Gladiador" são de tirar o fôlego. A cena inicial mostra uma mão passeando por uma colheita em um campo aberto. A mão é de Maximus. Um corte para a sequência seguinte e o vemos preparando os guerreiros romanos para a batalha na Bavária.
Ridley Scott mostra o combate por meio de tomadas dementes, estilizadas, resultando numa beleza cruel que aproxima "O Gladiador" mais de "O Resgate do Soldado Ryan" do que de "Ben Hur".
A modernização do épico romano histórico e o trabalho de editor de Scott em cima de uma história das mais simples são soberbos. É o outro lado do óbvio.
A chegada dos gladiadores a Roma foi construída como se estivessem sendo filmados caipiras do Kentucky visitando pela primeira vez a Times Square, em NY.
As cenas dentro do Coliseu, inteiro depois de uma "reforma" tecnológica, já valeriam o ingresso, não fossem outros inúmeros atributos do filme.
É de arrepiar a câmera em primeira pessoa adentrando pela primeira vez a arena do Coliseu, como se o espectador fosse um dos gladiadores a caminho da morte diante de milhares de romanos clamando por sangue.
Mas não é só de banho visual que vive "O Gladiador". O trabalho de Crowe na construção do personagem Maximus é impressionante. O ator mantém no filme inteiro, simultaneamente, a feição de um bravo guerreiro e a de pacato fazendeiro.
Joaquin Phoenix, o perturbado filho do imperador, convence como o sujeito que é feito para ser odiado. Não é qualquer um que chega para o guerreiro do filme e diz: "Seu filho gritou como uma menina na hora em que estávamos crucificando ele".
Mas cabe a Oliver Reed a melhor fala de "O Gladiador", quando reclama a um negociante trapaceiro que estava oferecendo o escravo Maximus a ele: "Você não me engana. Vendeu-me duas girafas gays. Elas não conseguem procriar".
"O Gladiador" é um filme fértil para discussões de violência. Ou de como aquela Roma parece atual se comparada com a Washington de hoje.
Mas, gigante pela própria natureza, vale dizer que o filme é ótima diversão cinematográfica para o ano 2000. E também para a "Sessão da Tarde" de alguma Semana Santa qualquer, lá pelo ano 2015.


O Gladiador
Gladiator
    
Diretor: Ridley Scott
Produção: EUA, 2000
Com: Russell Crowe, Joaquin Phoenix, Oliver Reed
Quando: a partir de hoje nos cines Astor, Ibirapuera 2 e circuito



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