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OPINIÃO
Os bons filmes de um bom festival
LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Fiasco também a festa brasileira de "Estorvo". O secretário do Audiovisual (do Ministério
da Cultura), José Álvaro Moisés,
repensa agora um novo problema
que urge para o cinema brasileiro,
ainda consequência do desmanche da Embrafilme no governo
Collor: como melhor representar
e promover nossos filmes no exterior?
Cerca de US$ 150 mil dólares foram jogados fora na boate do hotel Martinez, em Cannes, com
passistas de samba e música tecno
irritantes, onde só se viam brasileiros e nenhuma promoção da
nossa diversidade cultural ou cinematográfica.
Por mais transbordante de clichês que seja, o quase musical
"Woman on Top" ("Pimenta, Sexo e Samba", no título francês),
filme da venezuelana Fina Torres
com a bela espanhola Penelope
Cruz e o nosso simpático Murilo
Benício, acabou fazendo melhor
publicidade do Brasil, da nossa
sensualidade, da nossa culinária e
da nossa música do que "Estorvo"
e toda a sua empáfia oficialesca.
Melhor ainda fez "Eu Tu Eles",
do talento emergente Andrucha
Waddington, com sua nova "dona Flor" nordestina, mas agora
com três maridos. Temos com ele,
finalmente, um documento bem-humorado e sutil sobre a distorção da nossa moral, história que
sempre muda e sempre precisa
ser recontada na resistência à miséria.
O Festival de Cannes segue
agradável. A paralela "Quinzena
dos Realizadores" investe nas linguagens mais radicais e na diversidade autoral.
"Downtown 81", do fotógrafo
franco-americano Edo Bertoglio,
resgata imagens reais de uma ficção de 1980 com atuação do pintor de rua e grafiteiro Jean-Michel
Basquiat antes de ser descoberto
por galeristas chiques.
O também francês Karim Dridi
foi a Cuba na esteira de "Buena
Vista Social Club" e vem com
"Cuba Feliz", mais um musical
para resgatar prisioneiros do regime de Castro. A música é a febre
escapista mais ativa na Cuba
atual, assim como a dança e as ginásticas olímpicas foram no leste
europeu. O cinema registra.
"Girlfight", da americana Karyn
Kusama, aparenta o esvaziamento da fórmula de cinema independente.
Um filme certinho, bem calibrado, com violência e modernidade
nova-iorquina, com a manjada
tensão e ansiedade de suas tribos.
Foi o grande vencedor do prêmio do júri do Festival de Sundance, a fachada paternalista do
cinema corretinho.
Gostoso mesmo foi ver a comédia italiana "Pão e Tulipas", de Silvio Soldini, o italiano mais premiado da temporada. É uma comédia popular que mexe com os
valores sagrados da família e da
mãe santificada.
A mãe abandona a família no
meio de uma excursão e cai no romântico anonimato em Veneza,
onde acaba se apaixonando por
um garçom de restaurante popular. A dupla feita por Licia Maglietta e Bruno Ganz tem momentos comoventes.
"Peppermint Candy", segundo
longa do coreano Lee Chang-Dong, é uma das revelações da
"Quinzena". É um filme elétrico e
perturbador, que anda 20 anos
para trás nos passos de um suicida atormentado.
Na competição oficial, duas comédias vão conquistando as platéias com suas sutilezas. Uma,
americana, do israelense Amos
Kollek.
É sobre solidão e solidariedade,
mas com pessoas de várias gerações que reagem para não ser vítimas do abandono.
A outra é "O Casamento", do
russo-francês Pavel Lounguine,
que se passa num subúrbio mineiro de Moscou. É lá que todos, à
exceção da autoridade policial,
parecem órfãos sem saudades do
antigo regime.
Quem quebra o ritmo perdido
da aldeia é uma ex-miss que abandona a prostituição de luxo na capital para propor casamento ao
seu namorado de infância.
Atrás dela vêm o mafioso cafetão e todas as contradições do novo-riquismo canalha e oportunista. Imperdíveis.
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