São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2000


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OPINIÃO

Os bons filmes de um bom festival

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Fiasco também a festa brasileira de "Estorvo". O secretário do Audiovisual (do Ministério da Cultura), José Álvaro Moisés, repensa agora um novo problema que urge para o cinema brasileiro, ainda consequência do desmanche da Embrafilme no governo Collor: como melhor representar e promover nossos filmes no exterior?
Cerca de US$ 150 mil dólares foram jogados fora na boate do hotel Martinez, em Cannes, com passistas de samba e música tecno irritantes, onde só se viam brasileiros e nenhuma promoção da nossa diversidade cultural ou cinematográfica.
Por mais transbordante de clichês que seja, o quase musical "Woman on Top" ("Pimenta, Sexo e Samba", no título francês), filme da venezuelana Fina Torres com a bela espanhola Penelope Cruz e o nosso simpático Murilo Benício, acabou fazendo melhor publicidade do Brasil, da nossa sensualidade, da nossa culinária e da nossa música do que "Estorvo" e toda a sua empáfia oficialesca.
Melhor ainda fez "Eu Tu Eles", do talento emergente Andrucha Waddington, com sua nova "dona Flor" nordestina, mas agora com três maridos. Temos com ele, finalmente, um documento bem-humorado e sutil sobre a distorção da nossa moral, história que sempre muda e sempre precisa ser recontada na resistência à miséria.
O Festival de Cannes segue agradável. A paralela "Quinzena dos Realizadores" investe nas linguagens mais radicais e na diversidade autoral.
"Downtown 81", do fotógrafo franco-americano Edo Bertoglio, resgata imagens reais de uma ficção de 1980 com atuação do pintor de rua e grafiteiro Jean-Michel Basquiat antes de ser descoberto por galeristas chiques.
O também francês Karim Dridi foi a Cuba na esteira de "Buena Vista Social Club" e vem com "Cuba Feliz", mais um musical para resgatar prisioneiros do regime de Castro. A música é a febre escapista mais ativa na Cuba atual, assim como a dança e as ginásticas olímpicas foram no leste europeu. O cinema registra.
"Girlfight", da americana Karyn Kusama, aparenta o esvaziamento da fórmula de cinema independente.
Um filme certinho, bem calibrado, com violência e modernidade nova-iorquina, com a manjada tensão e ansiedade de suas tribos.
Foi o grande vencedor do prêmio do júri do Festival de Sundance, a fachada paternalista do cinema corretinho.
Gostoso mesmo foi ver a comédia italiana "Pão e Tulipas", de Silvio Soldini, o italiano mais premiado da temporada. É uma comédia popular que mexe com os valores sagrados da família e da mãe santificada.
A mãe abandona a família no meio de uma excursão e cai no romântico anonimato em Veneza, onde acaba se apaixonando por um garçom de restaurante popular. A dupla feita por Licia Maglietta e Bruno Ganz tem momentos comoventes.
"Peppermint Candy", segundo longa do coreano Lee Chang-Dong, é uma das revelações da "Quinzena". É um filme elétrico e perturbador, que anda 20 anos para trás nos passos de um suicida atormentado.
Na competição oficial, duas comédias vão conquistando as platéias com suas sutilezas. Uma, americana, do israelense Amos Kollek.
É sobre solidão e solidariedade, mas com pessoas de várias gerações que reagem para não ser vítimas do abandono.
A outra é "O Casamento", do russo-francês Pavel Lounguine, que se passa num subúrbio mineiro de Moscou. É lá que todos, à exceção da autoridade policial, parecem órfãos sem saudades do antigo regime.
Quem quebra o ritmo perdido da aldeia é uma ex-miss que abandona a prostituição de luxo na capital para propor casamento ao seu namorado de infância.
Atrás dela vêm o mafioso cafetão e todas as contradições do novo-riquismo canalha e oportunista. Imperdíveis.



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