São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003 |
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MÚSICA Com uso de referências hispânicas, cantor grava "Carlito Marrón" fora do Brasil, após ser dispensado por gravadora Carlinhos Brown se reinventa "à espanhola"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR "Soy loco por ti, América", proclamavam os tropicalistas em 68. Mesmo afirmando que já rompeu com a tropicália, Carlinhos Brown, 40, dá sequência à paixão e se transmuta em "Carlito Marrón", percussionista afro-baiano todo forrado de referências hispânicas, latinas, cubanas. Diz que não tem nada a ver com o fato de a BMG espanhola tê-lo contratado para bancar e lançar o disco (que sai agora também no Brasil, pela filial local) -"Carlito Marrón" seria ente antigo, há muito pronto para sair da casca. Em Salvador, Brown fala do novo trabalho e da ironia de haver sido dispensado da EMI pouco antes de, numa meia-volta, retornar à mesma gravadora no retumbante projeto Tribalistas. Reluta em falar sobre tal sucesso, asseverando dever ético de silêncio decidido pelo trio formado com Marisa Monte e Arnaldo Antunes. Mas fala sobre episódio de patrocínio pedido por ele e João Donato, para um CD/turnê em dupla -o valor da captação autorizada pelo Ministério da Cultura pulou de cerca de R$ 848 mil para R$ 1,4 milhão na passagem do governo de FHC para o de Lula. O MinC afirmou que parte do valor solicitado fora esquecido no primeiro cálculo, causando a correção pelo "Diário Oficial", já no novo governo. Brown se diz "envergonhado" com as dúvidas que o caso suscitou. Leia a seguir fragmentos das opiniões de Carlito Marrón, em entrevista à Folha. SEM GRAVADORA - "Sempre
acreditei na instituição gravadora,
mas muito pouco nas gestões. A
EMI não precisava dizer que me
dispensou. Sempre paguei a produção de meus discos, eles nunca
tiveram prejuízo. No Brasil não
tem escola de música, a gente vai
na tora. As gravadoras deviam ter
projetos sociais, educacionais. Os
artistas deviam se desenvolver
dentro das companhias. É folclórico e é feio ver o artista que veio
do povo falando errado na TV, os
outros dando risada dele". COM GRAVADORA - "Não fiz o
"Carlito Marrón" a pedido da
BMG espanhola. Ele fala de um
processo de "relatinização" que se
dá na Bahia há muito tempo, mas
que foi interrompido pela axé
music. Queríamos tirar a dor da
escravidão, a visão de que o negro
é triste porque foi escravo. É aí
que surge Carlito Marrón, da lembrança dos escravos que cozinhavam o que os europeus comiam". PRESIDENTES SURDOS - "O presidente da BMG espanhola veio à
minha casa, é uma pessoa simples. A coisa mais difícil é ser atendido por um presidente de gravadora brasileira. É "não vou lhe
atender, estou preocupado com o
cara que vende 1 milhão de cópias". Os Tribalistas venderam
quase 1 milhão, mas comigo continuam não falando [ri]. Mandam
o diretor artístico, que assina o
disco sem nem entrar no estúdio
para ver uma gravação". TRIBALISTAS MUDOS - "O sucesso dos Tribalistas para mim é normal, não modifica nada. Sucesso
não é minha função, não sou vendedor de discos. É um trabalho
coletivo, não leva minha assinatura. Os Tribalistas são um caso à
parte, não falaram à imprensa
porque era o combinado, tive que
respeitar. É disciplina". CARLITO INFANTIL - "Minha predileta dos Tribalistas é "Mary
Christo", sempre adorei música
infantil. "Blim blom náilon" [versos da canção] parece João Gilberto. Não faria um disco infantil
porque já faço isso naturalmente.
Meus discos são para criança.
Gosto de degustar as palavras, os
adultos que não entendem são os
adultos menos crianças. Uso a linguagem que ouço nos terreiros.
Resquícios de dialetos". CANDOMBLÉ VERSUS EVANGÉLICOS - "Sofremos hoje um massacre enorme por parte dos evangélicos, que fazem cultos parecidos
com os nossos, mas dizem que
Deus está com eles e que nós somos o diabo. Aqui é a terra da
miscigenação, a Inquisição ficou
lá atrás, meu amigo". O PATROCÍNIO - "Estamos morrendo de vergonha, pedi que tirassem o patrocínio. Eu, que tenho resultados de 23 anos de trabalho em projetos sociais, passo
como um ambicioso que quer
prevaricar com o ministro Gilberto Gil. Não entendem que é um
projeto de captação de patrocínio.
Estou nisso porque fui convidado
pelo senhor João Donato, que é
um gênio do qual sou servidor.
Pensamos em convidar [os cubanos] Ibrahim Ferrer e Omara Portuondo para cantar Caymmi. Vai
acontecer, se Deus quiser". NÃO É TROPICÁLIA - ""Carlito
Marrón" não é tropicalista. Já
rompi com o tropicalismo, o último movimento. Todo mundo
cantou "Já Sei Namorar", que veio
de "Namoradinha de um Amigo
Meu" (hit iê-iê-iê de Roberto Carlos), de "A Namorada" (dele próprio). É o seguimento cultural". |
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