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CINEMA/ESTRÉIAS
"TAURUS"
Produção sobre os últimos dias do líder soviético Lênin integra trilogia do russo sobre as utopias do século 20
Sokúrov expõe o ridículo do teatro político
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O cinema sobreviveu às
ideologias que, no século 20,
dele quiseram se servir, mas a utopia do mundo filmado não sobreviveu às utopias políticas que deste se apropriaram.
Ao menos, enquanto utopia.
Aleksander Sokúrov bem o sabe.
Herdeiro de Tarkovsky, ele é o
discípulo tardio de uma tradição
que nasceu, no pós-Segunda
Guerra, de dentre os mortos, portando o luto na memória. Sokúrov pertence, em espírito, à geração do cinema moderno que, em
reação ao sonho-tornado-pesadelo do cinema-tornado-arma-de-propaganda do pré-guerra, dedicou-se à vigília e ao luto.
Mundo de vigilâmbulos e enlutados, o cinema de Sokúrov retorna, nesse sentido, às suas origens nesta trilogia que o cineasta vem
empreendendo em torno dos grandes artífices das utopias políticas do século 20, Lênin, Hitler e
Stálin. Tudo se passa como se Sokúrov reencontrasse, na cena de
"Moloch" (2001) em que Hitler dá
uma verdadeira aula de cinema a
Goebbels, a matriz de toda a sua
obra. Os nazistas, pequeno-burgueses, gostavam tanto de cinema
quanto os revolucionários bolchevistas, mas tinham um gosto
mais discutível. O cinema hitlerista foi, em boa medida, subhollywoodiano, o leninista, um insuperável cinema de vanguarda.
Em "Taurus", o Lênin (1870-1924) de Sokúrov só invoca o imaginário cinematográfico para imitar um gesto do protagonista
camponês de "Terra", clássico de Dovjenko (o predileto de Sokúrov). De resto, o Lênin moribundo do filme lembra mais o protagonista de uma novela de Tolstói,
"A Morte de Ivan Ilitch", entregue, em seu leito de morte, aos
cuidados dos serviçais e ao esquecimento em vida. É com um incrível despudor que Sokúrov retrata
o ridículo de seus personagens
históricos nos momentos derradeiros de suas vidas. O pateticismo teatral das interpretações não
deixa de ser uma sutil vingança
contra aqueles que, em maior ou
menor grau, teatralizaram a política. A liberdade que Sokúrov se
dá não deixa de ser uma resposta
àqueles que, tomando liberdades
demais para com o cinema, fizeram-no refém da propaganda.
Taurus
Tieliéts
Produção: Rússia, 2001
Direção: Alexsandr Sokúrov
Com: Leonid Mozgovoi, Maria
Kuznetsova, Natalia Nikulenko
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco
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