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São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003

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"O BASTARDO"

Tragédia familiar tailandesa se tece em torno de uma cama

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"O Bastardo" parece mais um compêndio psicanalítico do que um filme. Portanto, é um filme cheio de sordidez, como reza a ortodoxia freudiana. Nenhuma elevação. Ainda menino, o jovem Jan Dara, o bastardo em questão, pede à tia que lhe dê os seios, para sentir os seios da mãe, que morrera no parto.
Khun Luang, o pai de Jan Dara, é seu inimigo. Não é propriamente pai. Existe uma história complicada. Jan Dara o odeia como pai (aquele que nos afasta da mãe).
Khum Luang substitui a finada mulher por Waat, que protege Jan Dara e lhe dá os seios. Waat também lhe dá uma filha. Mais tarde, Khum terá em sua casa outra mulher, Boonlueang, que também dará atenção particular ao garoto.
O início: Jan Dara, voz adulta, recorda a primeira imagem que lhe ficou na memória: a noite em que acordou e deu com Khum e Waat transando. A primeira imagem é a que fica. O filme transcorrerá em torno de uma cama.
O cinema contemporâneo é, quase sempre, de um pudor insuportável (ou é pornográfico, o que dá no mesmo). A psicanálise foi banida pela prosaica química. Precisamos recorrer ao longínquo cinema tailandês para lembrar que somos seres de sexualidade. Que a essência de nossos dramas se dá em torno de uma cama (ou, eventualmente, nela). É uma virtude de "O Bastardo". Sua ficção é fascinante. O filme, nem sempre. Como se não confiasse na história, o diretor entrega-se ao exercício de ênfases supérfluas, à composição de metáforas que duplicam o que acabamos de ver.
O único momento de sublimação na trajetória de Jan Dara ocorre quando conhece Jacinta e se apaixona. Mas Jacinta morre. Resta a Jan Dara seguir seu destino. Se a Édipo coube matar o pai e casar com a mãe, o que caberá a um órfão de mãe cujo pai nem ao menos é o pai? É em torno desse tipo de tensão que se desenvolve a trágica, escabrosa e não raro fascinante saga familiar do filme.


O Bastardo
Jan Dara
  
Produção: Tailândia, 2001
Direção: Nonzee Nimibutr
Com: Eakarat Sarsukh, Santisuk Promsiri
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca



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