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"O BASTARDO"
Tragédia familiar tailandesa se tece em torno de uma cama
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Bastardo" parece mais
um compêndio psicanalítico do que um filme. Portanto, é
um filme cheio de sordidez, como
reza a ortodoxia freudiana. Nenhuma elevação. Ainda menino,
o jovem Jan Dara, o bastardo em
questão, pede à tia que lhe dê os
seios, para sentir os seios da mãe,
que morrera no parto.
Khun Luang, o pai de Jan Dara,
é seu inimigo. Não é propriamente pai. Existe uma história complicada. Jan Dara o odeia como pai (aquele que nos afasta da mãe).
Khum Luang substitui a finada
mulher por Waat, que protege Jan
Dara e lhe dá os seios. Waat também lhe dá uma filha. Mais tarde,
Khum terá em sua casa outra mulher, Boonlueang, que também
dará atenção particular ao garoto.
O início: Jan Dara, voz adulta,
recorda a primeira imagem que
lhe ficou na memória: a noite em
que acordou e deu com Khum e
Waat transando. A primeira imagem é a que fica. O filme transcorrerá em torno de uma cama.
O cinema contemporâneo é, quase sempre, de um pudor insuportável (ou é pornográfico, o que dá no mesmo). A psicanálise foi
banida pela prosaica química.
Precisamos recorrer ao longínquo cinema tailandês para lembrar que somos seres de sexualidade. Que a essência de nossos
dramas se dá em torno de uma cama (ou, eventualmente, nela). É
uma virtude de "O Bastardo". Sua
ficção é fascinante. O filme, nem
sempre. Como se não confiasse
na história, o diretor entrega-se
ao exercício de ênfases supérfluas,
à composição de metáforas que
duplicam o que acabamos de ver.
O único momento de sublimação na trajetória de Jan Dara ocorre quando conhece Jacinta e se
apaixona. Mas Jacinta morre.
Resta a Jan Dara seguir seu destino. Se a Édipo coube matar o pai e
casar com a mãe, o que caberá a
um órfão de mãe cujo pai nem ao
menos é o pai? É em torno desse
tipo de tensão que se desenvolve a
trágica, escabrosa e não raro fascinante saga familiar do filme.
O Bastardo
Jan Dara
Produção: Tailândia, 2001
Direção: Nonzee Nimibutr
Com: Eakarat Sarsukh, Santisuk Promsiri
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
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