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RODAPÉ
Poesia a quatro mãos
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Livros de poesia escritos em
parceria, com poemas que
dialogam entre si, são pouco comuns, mas podem ser considerados um gênero paralelo ou um
subgênero literário (sem conotação pejorativa). Nos últimos anos,
surgiram no Brasil várias publicações que exploram essa vizinhança poética, como "Um Mundo Só
para Cada Par", de Fabiano Calixto, Kleber Mantovani e Tarso de
Melo, e "Móbiles", pequeno volume com um poema de Augusto
Massi e outro de Age de Carvalho.
O próprio Age de Carvalho é autor, com Max Martins, de "A Fala
entre Parêntesis", na forma de
renga -exercício poético de origem japonesa em que os poetas
escrevem em cadeia, como no livro "Together", organizado por
Régis Bonvicino, envolvendo 29
autores.
Agora surgem dois novos títulos: "Versos Avessos", de Celso
Freire e Debora de Simas, e "Brasibraseiro", de Antonio Risério e
Frederico Barbosa. São livros
muito diferentes na intenção e na
realização, mas que têm em comum aquele diálogo cerrado entre os poemas.
"Versos Avessos" reúne fragmentos do discurso amoroso de
Celso Freire e Debora de Simas.
Para leitores que procuram o
transtorno das formas poéticas e
do discurso corriqueiro, será decepcionante. Apesar do inventivo
projeto gráfico (os poemas de Simas são impressos em papel
transparente, sobrepondo-se aos
de Freire de modo a ressaltar o paralelismo dos textos), o livro tem
um lirismo nada comedido. Pode
agradar quem se identifica com
poesia emotiva, de caráter confessional, em que as palavras são
"promessas do amor infindável".
Bem outro é o caso de "Brasibraseiro". O título foi tirado de
uma passagem de "O Inferno de
Wall Street", de Sousândrade
("Brasil, é braseiro de rosas"), e o
objetivo expresso do livro é refletir "criticamente sobre esse projeto civilizatório chamado Brasil".
A proposta é conseqüente com
a trajetória dos autores. Risério é
um antropólogo que vem fazendo
pesquisas no campo da etnopoesia, com o resgate de textos afro-brasileiros que reverberam em
sua própria produção literária.
Frederico Barbosa tem sido defensor da chamada "poesia de invenção", expressão que Haroldo
de Campos cunhou para designar
textos que ampliam o repertório
das formas poéticas, mas que
também têm um significado "político": a resistência aos lugares-comuns (poéticos ou não) em que
a realidade se perpetua.
Nesse sentido, "Brasibraseiro" é
uma viagem pela história e pelo
imaginário do país, apropriando-se de formas do passado para
criar nova poesia e, por extensão,
nova leitura dessa história. Risério e Barbosa escarnecem de nossos traumas seculares (massacres
de índios, escravidão, turismo sexual) de forma virulenta, sob o
signo do ultrapassamento crítico
da realidade social e da renovação
da história literária recente.
Um dos procedimentos recorrentes é o "ready made", ou seja, a
transposição de textos de jornais e
livros para uma forma poética
que os ressignifica de modo irônico -caso, por exemplo, de "Lance Búzios", em que Risério atualiza frases de pasquins subversivos
da Revolução dos Alfaiates (ocorrida na Bahia em 1789).
Mas há várias outras poéticas
embutidas em "Brasibraseiro",
cujo momento mais feliz e complexo talvez seja o poema "Da Boça à Bossa", em que Frederico
Barbosa retoma "O Navio Negreiro" de Castro Alves no ritmo binário do "I-Juca Pirama", de Gonçalves Dias, agora sob o signo da
resistência multicultural:
"Objetos de bordo/ atados à boça/ balançam e dançam/ em baques e sovas// na boça no cabo/
atados à proa/ balançam e dançam/ sem berros na forca// em
terras estranhas/ são negros boçais/ estúpidos rudes/ ignorantes
banais// mas longe da boça/ de
servos à força/ balançam e dançam/ seu banzo blues troça// resistem no samba/ no jazz capoeira/ balançam e dançam/ batuque
rasteira// inventam a bossa/ vingança da boça".
Brasibraseiro
Autores: Antonio Risério e Frederico
Barbosa
Editora: Landy
Quanto: R$ 25 (142 págs.)
Versos Avessos
Autores: Celso Freire e Debora de Simas
Editora: Alpharrabio
Quanto: R$ 25 (106 págs.)
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