São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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RÉPLICA
Abrindo o diálogo entre crítico e artista

SAMIR YAZBEK
especial para a Folha

Realmente, não sei mais o que esperar do crítico de teatro da Folha, sr. Nelson de Sá.
Daí escrevo esta réplica à sua crítica do espetáculo "Antes do Fim", escrito e dirigido por mim, publicada no último dia 13 no "Guia da Folha", carregado de uma dupla motivação: por um lado, acredito sinceramente na possibilidade de que possa surgir um diálogo franco e aberto entre crítico e artista, isto sendo benéfico para ambas as partes.
Por outro, vai o depoimento de quem se considera em início de carreira e tem plena consciência disso: do ponto em que está de onde quer e pode chegar e do caminho das pedras que deverá trilhar se quiser atingir objetivos elevados na profissão que abraçou.
Pois aqui reside justamente o ponto a ser discutido (e é esta, talvez, a real motivação que me impele a escrever): o sr. Nelson de Sá nunca me pareceu, em seus comentários críticos, já acompanhados de algum tempo (quanto, não sei ao certo), muito interessado em dialogar com a obra do artista.
Não se mostra aberto e/ou disposto a compreender os reais motivos que levam determinada pessoa a produzir determinada obra em determinado contexto. Tampouco seus objetivos.
Conclusão: avalia com uma crueza toda própria e uma economia proverbial o produto final, ou seja, o espetáculo em cartaz.
Ora, vão dizer os mais pragmáticos (e eu mesmo digo para mim), não é obrigação de nenhum crítico avaliar o processo de trabalho de um grupo específico, mas justamente o resultado final apresentado.
Ora, vão dizer os mais céticos (e eu também digo para mim), utopia acreditar que o jornalismo de hoje comporte projeto de tamanha envergadura.
Bem. Então aqui começa uma discussão de infinita projeção. Em primeiro lugar, só para sairmos do lugar, poderia concordar com essas duas premissas.
Mas então fala mais alto a minha condição de dramaturgo iniciante e atrevo-me a fazer uma reivindicação solene.
Não peço complacência, longe disso. Aliás, muitas vezes é com pauladas que se aprende, sei muito bem.
Mas peço tão somente o mesmo cuidado e esmero que dramaturgos renomados, brasileiros ou não, já mereceram do mesmo crítico em outras resenhas. Peço respeito.
E lembro que é fácil consagrar o já consagrado. A depender do estímulo intelectual dado pelo sr. Nelson, do esteio tão necessário ao desenvolvimento de qualquer projeto, artístico ou não, a dramaturgia brasileira parece que jamais chegará aos pés da norte-americana ou inglesa, que ele tanto parece admirar.
Tenho a impressão de que ser brasileiro, nesse caso, é uma dificuldade a mais para ser levado a sério neste país. Iniciante, então, nem se fale!
Um nacionalismo às avessas, perigosamente perverso. Creio que a Folha, jornal prestigiado como é, formador de opinião, deveria estar atenta a isso.
Autor e diretor
Em segundo lugar, o sr. Nelson de Sá parece ignorar o fato de eu ter dirigido um texto de minha própria autoria.
Fator tão determinante na análise de outras peças (as complexas relações entre texto e direção), não se entende por que passou despercebido na resenha crítica de "Antes do Fim".
Talvez por um preconceito arraigado no pensamento teatral brasileiro, qual seja, o de que um autor jamais deve dirigir um texto seu.
Nesse sentido, faço uma auto-acusação e uma defesa ao mesmo tempo: se falhas há em meu trabalho, e algumas certamente deve haver, estão muito mais ligadas à concepção de direção do que ao texto propriamente dito.
Defendo o texto e seu projeto dramatúrgico. Creio que merecia uma leitura mais atenta. Mas o crítico me pareceu pouco interessado em discutir esse viés. Ou vá lá: e a direção? O que se disse sobre ela?
Isso sem falar, voltando lá atrás e concordando com Antunes Filho, que a função da crítica jornalística deveria ser outra.
Aliás, só mesmo conhecendo as reais motivações de um artista ao conceber uma obra, suas principais metas, é que se poderia julgar com efeito o que ele conseguiu de fato alcançar e o que ficou perdido no meio do caminho.
Estrelas
Horroriza-me (e comentei isso outro dia com o escritor e articulista da Folha Marcelo Coelho) que o teatro, de maneira geral, seja tratado de forma tão mísera no "Guia da Folha", ficando sob os cuidados de uma só pessoa, seja ela quem for, a responsabilidade de aferir "estrelas" para alguns espetáculos em cartaz, com o pretexto de orientar o público consumidor.
Oxalá recebêssemos tratamento igual ao que recebe o cinema que, no mesmo caderno, reúne a opinião de nove especialistas sobre um só filme, segundo o mesmo (aliás, tão obscuro!) critério de "estrelas".
Mas isso já é uma outra conversa (o atávico desprestígio do teatro) e não é de minha competência discuti-la aqui.
Por fim, sem refutar em específico nenhuma das afirmações do sr. Nelson de Sá sobre meu espetáculo (mesmo porque são tão poucas!), destaco apenas uma delas com o intuito de devolvê-la na mesma moeda, sem, contudo, nenhum desejo de vingança de minha parte.
Diz ele, a certa altura, que alguns diálogos de minha peça chegam a soar ofensivos, de tão primários.
Pois que fique registrado: a crítica do sr. Nelson de Sá, de tão primária, não soou menos ofensiva para mim.
Se isso significa alguma coisa, aberto seja o franco diálogo entre crítico e artista. Se não, estamos entendidos.


Samir Yazbek é autor e diretor teatral.



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