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RÉPLICA
Abrindo o diálogo entre crítico e artista
SAMIR YAZBEK
especial para a Folha
Realmente, não sei mais o que
esperar do crítico de teatro da Folha, sr. Nelson de Sá.
Daí escrevo esta réplica à sua crítica do espetáculo "Antes do
Fim", escrito e dirigido por mim,
publicada no último dia 13 no
"Guia da Folha", carregado de
uma dupla motivação: por um lado, acredito sinceramente na possibilidade de que possa surgir um
diálogo franco e aberto entre crítico e artista, isto sendo benéfico
para ambas as partes.
Por outro, vai o depoimento de
quem se considera em início de
carreira e tem plena consciência
disso: do ponto em que está de onde quer e pode chegar e do caminho das pedras que deverá trilhar
se quiser atingir objetivos elevados
na profissão que abraçou.
Pois aqui reside justamente o
ponto a ser discutido (e é esta, talvez, a real motivação que me impele a escrever): o sr. Nelson de Sá
nunca me pareceu, em seus comentários críticos, já acompanhados de algum tempo (quanto, não
sei ao certo), muito interessado
em dialogar com a obra do artista.
Não se mostra aberto e/ou disposto a compreender os reais motivos que levam determinada pessoa a produzir determinada obra
em determinado contexto. Tampouco seus objetivos.
Conclusão: avalia com uma
crueza toda própria e uma economia proverbial o produto final, ou
seja, o espetáculo em cartaz.
Ora, vão dizer os mais pragmáticos (e eu mesmo digo para mim),
não é obrigação de nenhum crítico
avaliar o processo de trabalho de
um grupo específico, mas justamente o resultado final apresentado.
Ora, vão dizer os mais céticos (e
eu também digo para mim), utopia acreditar que o jornalismo de
hoje comporte projeto de tamanha envergadura.
Bem. Então aqui começa uma
discussão de infinita projeção. Em
primeiro lugar, só para sairmos do
lugar, poderia concordar com essas duas premissas.
Mas então fala mais alto a minha
condição de dramaturgo iniciante
e atrevo-me a fazer uma reivindicação solene.
Não peço complacência, longe
disso. Aliás, muitas vezes é com
pauladas que se aprende, sei muito bem.
Mas peço tão somente o mesmo
cuidado e esmero que dramaturgos renomados, brasileiros ou
não, já mereceram do mesmo crítico em outras resenhas. Peço respeito.
E lembro que é fácil consagrar o
já consagrado. A depender do estímulo intelectual dado pelo sr. Nelson, do esteio tão necessário ao
desenvolvimento de qualquer
projeto, artístico ou não, a dramaturgia brasileira parece que jamais
chegará aos pés da norte-americana ou inglesa, que ele tanto parece
admirar.
Tenho a impressão de que ser
brasileiro, nesse caso, é uma dificuldade a mais para ser levado a
sério neste país. Iniciante, então,
nem se fale!
Um nacionalismo às avessas, perigosamente perverso. Creio que a
Folha, jornal prestigiado como é,
formador de opinião, deveria estar
atenta a isso.
Autor e diretor
Em segundo lugar, o sr. Nelson
de Sá parece ignorar o fato de eu
ter dirigido um texto de minha
própria autoria.
Fator tão determinante na análise de outras peças (as complexas
relações entre texto e direção),
não se entende por que passou
despercebido na resenha crítica de
"Antes do Fim".
Talvez por um preconceito arraigado no pensamento teatral
brasileiro, qual seja, o de que um
autor jamais deve dirigir um texto
seu.
Nesse sentido, faço uma auto-acusação e uma defesa ao mesmo
tempo: se falhas há em meu trabalho, e algumas certamente deve
haver, estão muito mais ligadas à
concepção de direção do que ao
texto propriamente dito.
Defendo o texto e seu projeto
dramatúrgico. Creio que merecia
uma leitura mais atenta. Mas o crítico me pareceu pouco interessado
em discutir esse viés. Ou vá lá: e a
direção? O que se disse sobre ela?
Isso sem falar, voltando lá atrás e
concordando com Antunes Filho,
que a função da crítica jornalística
deveria ser outra.
Aliás, só mesmo conhecendo as
reais motivações de um artista ao
conceber uma obra, suas principais metas, é que se poderia julgar
com efeito o que ele conseguiu de
fato alcançar e o que ficou perdido
no meio do caminho.
Estrelas
Horroriza-me (e comentei isso
outro dia com o escritor e articulista da Folha Marcelo Coelho)
que o teatro, de maneira geral, seja
tratado de forma tão mísera no
"Guia da Folha", ficando sob os
cuidados de uma só pessoa, seja
ela quem for, a responsabilidade
de aferir "estrelas" para alguns
espetáculos em cartaz, com o pretexto de orientar o público consumidor.
Oxalá recebêssemos tratamento
igual ao que recebe o cinema que,
no mesmo caderno, reúne a opinião de nove especialistas sobre
um só filme, segundo o mesmo
(aliás, tão obscuro!) critério de
"estrelas".
Mas isso já é uma outra conversa
(o atávico desprestígio do teatro) e
não é de minha competência discuti-la aqui.
Por fim, sem refutar em específico nenhuma das afirmações do sr.
Nelson de Sá sobre meu espetáculo (mesmo porque são tão poucas!), destaco apenas uma delas
com o intuito de devolvê-la na
mesma moeda, sem, contudo, nenhum desejo de vingança de minha parte.
Diz ele, a certa altura, que alguns
diálogos de minha peça chegam a
soar ofensivos, de tão primários.
Pois que fique registrado: a crítica do sr. Nelson de Sá, de tão primária, não soou menos ofensiva
para mim.
Se isso significa alguma coisa,
aberto seja o franco diálogo entre
crítico e artista. Se não, estamos
entendidos.
Samir Yazbek é autor e diretor teatral.
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