São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NOVAS MÍDIAS
Arquiteto e artista multimídia polonês está em SP para conhecer projeto "BrasMitte" do Arte/Cidade
Wodiczko leva excluídos a espaço público

PATRICIA DECIA
da Reportagem Local

Política, direitos civis, desenvolvimento social e a expressão dos excluídos são preocupações centrais no trabalho do arquiteto e artista multimídia polonês Krzysztof Wodiczko, que visita São Paulo a convite do Arte/Cidade.
Wodiczko veio conhecer o projeto de intervenção urbana "BrasMitte" (leia texto abaixo) e mostrar alguns de seus trabalhos, realizados sempre no espaço público.
Primeiro, foram projeções em monumentos e edifícios, como a sede do MIT (Massachusetts Institute of Technology), no qual ele dirige atualmente o Interrogative Design Group, no Media Lab.
Depois, a criação do "Homeless Vehicle", a partir de carrinhos de supermercado usados pelos sem-teto de Nova York.
Mais recentemente, desenvolveu o "Alien Staff", o cajado do estrangeiro, que traz relatos e documentos de imigrantes.
Sua última projeção, em Cracóvia, na Polônia, une imagens em movimento e sons. E dá a mulheres, homossexuais e viciados em drogas as dimensões da torre da prefeitura, um dos mais importantes edifícios da cidade.
Sobre o Brasil, ele diz que, para o artistas que adotam postura semelhante a sua, não há escolha senão transformar os excluídos em agentes nos projetos. "Não podemos caminhar sem a colaboração dessas pessoas", disse, em entrevista por telefone, de Nova York.

Folha - O sr. vem ao Brasil para conhecer melhor o projeto BrasMitte. O que espera?
Krzysztof Wodiczko -
Não quero ser um expert quando se trata de projetos tão enraizados numa história e em modos de percepção e discurso específicos. Só posso ir e aprender. Poderei apresentar algo do meu trabalho, desenvolvido num contexto diferente. Mas é sempre muito bom encontrar artistas que trabalham em projetos críticos e públicos, envolvendo história e memória, em relação a assuntos contemporâneos.
Folha - Suas projeções detonam um processo educacional?
Wodiczko -
É uma combinação de coisas. É educacional, pois, quando as pessoas lêem jornais ou assistem a programas de televisão sobre os marginalizados, aprendem algo. Mas eles não chegam perto dessa experiência necessariamente. Estou usando monumentos arquitetônicos como uma mídia com a qual as pessoas têm uma relação bastante íntima. Em outras palavras, os espectadores as habitam, podem já ter se projetado mentalmente nessas estruturas.
Folha - E qual o efeito disso?
Wodiczko -
Quando vêem outra pessoa habitando essa estrutura, têm de dividir os monumentos, como se houvesse colegas de quarto invasores. Isso é, psicologicamente, um processo muito poderoso de compreender a experiência do outro, via arquitetura. Para os participantes, é um processo gradual de aceitação do conhecimento. Nos dois casos, tem a ver com desenvolvimento psicológico e social, democrático.
Folha - Político?
Wodiczko -
Sim. Arquitetura em espaços abertos ainda opera sob a aura do antigo espaço público democrático. Mesmo que essa área não esteja realmente funcionando assim, é muito mais fácil, ainda, falar a verdade a milhares de pessoas no centro da cidade do que a um amigo próximo. E, para uma pessoa que está entre os milhares de expectadores, é mais fácil ver a experiência dolorosa daquele que está na torre porque é parte artificial, parte real. É algo como uma experiência transitória.
Folha - O espaço público é hoje o lugar onde há violência. Qual a posição do artista diante disso?
Wodiczko -
Acho que não há escolha a não ser estabelecer contato com as pessoas que moram nessas áreas e desenvolver projetos específicos com eles, em que eles serão os atores principais. Em vez de trabalhar em nome deles, deixá-los ser parte. Isso é muito difícil, porque, claramente, há conflitos e antagonismos. Ativistas estão tentando estabelecer a comunicação entre vários grupos. Não podemos caminhar sem a colaboração dessas pessoas. Essa é minha esperança, não dizendo que isso é fácil.
Folha - O sr. diz que suas criações, como o "Homeless Vehicle", não são soluções para problemas. Qual é, então, sua função?
Wodiczko -
É ajudar a criar uma situação que contribuirá para um futuro em que esse tipo de trabalho não será necessário. Eles respondem a necessidades de emergência, que são, espero, temporárias. O veículo torna-se um veículo de comunicação, porque é um objeto legítimo, não "roubado". As pessoas começam a imaginar soluções que substituiriam esses projetos ridículos. Mas o projeto é ridículo porque a situação é ridícula. O projeto responde à impossibilidade da situação. Então, nesse sentindo, o projeto é impossível.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.