São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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João Nogueira importa paulistas

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Duas isquemias cerebrais num único mês adiaram os planos de lançamento de "De Todos os Sambas", o novo CD de João Nogueira, 56, que chega às lojas. Recuperado, apenas com uma sequela na perna esquerda, objeto agora de fisioterapia, Nogueira quer esquecer os 11 dias na CTI e as isquemias que "bateram na trave".
Seu novo disco descontentou crítica e/ou puristas ao incorporar compositores de São Paulo como Luís Carlos (Raça Negra) e Dedé Paraíso -deste, João conheceu algo a respeito apenas ao ler o release de seu próprio disco.
"Gravar esses sambas foi uma imposição do produtor, eu tinha me preparado para um disco de apenas músicas inéditas minhas", disse ele à Folha, do Rio, por telefone. "Mas gosto do resultado, "Haja Coração' é um samba médio, e por aí vai."
Nogueira não vê sentido em críticas bairristas. "Bairrismo se parece com racismo. Não dá para dizer que samba bom é o samba feito no Rio. Ary Barroso e Ataulfo Alves eram mineiros. Samba é a junção da harmonia européia com o ritmo africano, e São Paulo tem muitos negros."
Mas não há apenas sambas de parceiros desconhecidos. "De Todos os Sambas" traz uma parceria com Mario Lago, "Pro Mundo Morar". "Ele tinha feito esse samba há uns 15 anos, mas era muito curto. Na época ele não achava isso. Aí eu coloquei a segunda parte e o avisei, e ele não reclamou."
O Rio é bastante presente nas letras. Há uma homenagem à favela da Rocinha em "Rocinha" e um registro de Ipanema na atrasada "Apitaço" -sobre o uso de apitos para os usuários de maconha em Ipanema alertarem seus colegas da aproximação da polícia.
"A música é uma homenagem a 'Pelo Telefone', do Donga, tem mais ou menos a mesma métrica, e a letra fala hoje de uma discussão mundial, o uso da maconha é algo que ultrapassou o Rio de Janeiro."
"Quando Parei no Sinal", de Arlindo Cruz, evoca os camelôs dos semáforos do Rio e tem algo de Zeca Pagodinho descrevendo a confusão do Largo da Carioca.
Longe de ser um disco antológico, "De Todos os Sambas" investe no ecletismo. Nogueira inseriu também um samba-de-roda para homenagear Dorival Caymmi.
Ao contrário do que se poderia esperar, Nogueira não fala com irritação do milionário "sambanejo" paulista. "Os grupos estão caprichando na qualidade de gravação, não cometem mais erros de produção. Acho que alguns músicos são bons, o vocalista do SPC canta bem, e tem esse grupo Molejo, que faz um samba próximo ao da geração anterior à minha, parecido com embolada."
Nogueira afirma que estilo é algo difícil de criticar. "Não adianta mostrar Chico Buarque para um cara do sertão. O Brasil é um continente, e tem espaço para todo o mundo, mas é preciso saber onde o seu público está."

Disco: De Todos os Sambas Intérprete: João Nogueira Lançamento: BMG Quanto: R$ 18 (em média)


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