São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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Veto de FHC não encerra discussão sobre direitos autorais; grupo é criado para propor alternativa

Afogando em números

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
FRANCESCA ANGIOLILLO

DA REPORTAGEM LOCAL

A celeuma está longe de acabar. Ao vetar anteontem o projeto de lei que pedia a numeração de livros, CDs e obras científicas, Fernando Henrique Cardoso assinou decreto que pode ampliar a discussão do direito autoral no Brasil para além da questão de numerar ou não cada obra na fábrica.
"Fica criado grupo de trabalho para, no prazo de 30 dias a partir de sua constituição, propor os atos necessários para numeração e identificação de fonogramas e obras literárias, artísticas ou científicas", diz o decreto, estabelecendo a disposição do presidente de que o controle seja instituído.
O grupo de trabalho terá 16 integrantes, incluindo representantes da Casa Civil, Advocacia Geral da União, cinco ministérios, Receita Federal, Associação Brasileira dos Produtores de Discos, Sindicato Nacional dos Editores de Livros, União Brasileira de Escritores, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Agência Nacional de Cinema, União Brasileira do Vídeo e classe artística.
Ficará a cargo desse grupo determinar um método viável de controle. Uma tentativa de regulamentação nesse sentido foi feita logo após a implantação da atual Lei do Direito Autoral (nš 9.610), em 1998. Mas o decreto de regulamentação foi suspenso por liminar impetrada pela indústria.
Isso, segundo a deputada Tânia Soares (PC do B-SE), autora do projeto de numeração, tem limitado a eficácia da lei 9.610: "Não adianta a lei do direito autoral ser boa se ela não oferece os mecanismos de controle", diz a deputada, que afirma que pode defender o veto de seu próprio projeto no Congresso (para onde será agora reenviado) se o grupo de trabalho chegar a um consenso.
A ABPD agora concilia: "Mantemos o objetivo de intensificar o debate, em especial com a classe artística". Procurados pela Folha, os diretores das seis maiores gravadoras não se pronunciaram.
Do lado dos artistas que lutavam pela numeração, Lobão se disse satisfeito: "Há uma vontade positiva do governo, de discutir o direito autoral no Brasil. A classe está sendo respeitada". Ele continua: "Eu até gostaria de não entrar no grupo, para não dizerem mais que o Lobão é sempre o culpado por não dar certo. Gostaria que desta vez fosse Caetano, ou os artistas que ficaram no muro, como Gil e Rita Lee". A Folha procurou Caetano, Gil e Rita Lee, mas eles não se pronunciaram até a conclusão desta edição.

Mercado editorial
"FHC fez o que devia ser feito", diz Raul Wassermann, 59, presidente da Câmara Brasileira do Livro. Ele diz esperar que também representantes do processo técnico sejam chamados a discutir, já que os entraves de produção foram sempre o argumento da indústria contra o projeto vetado.
A ausência de técnicos na discussão é também a única ressalva feita por Roberto Feith, 50, dono da editora Objetiva e diretor de comunicação do Sindicato Nacional de Editores de Livros. Segundo Feith, o Snel já tem "propostas factíveis que atendam aos interesses dos autores", mas não pretende divulgá-las antes que possam ser discutidas pelo grupo. Para ele, a questão poderia até mesmo encontrar solução dentro de uma revisão da Lei do Direito Autoral.
A participação da União Brasileira dos Escritores ("historicamente a favor da numeração", como diz seu presidente, Claudio Willer, 61) pode levar a discussão para esse lado. Entre as propostas que a UBE deve apresentar está o pedido de recriação do Conselho Nacional de Direitos Autorais.
Para Feith, não importa se o conselho volta ou não: "Não faz diferença onde se dê a discussão, e sim que haja e seja ponderada".
Como Feith, Sérgio Machado, da Record, acha que os autores já têm mecanismos contratuais para controle: "Se a numeração fosse fundamental, Paulo Coelho já teria exigido". E desabafa: "Não sei porque a gente fica casado com o pessoal do CD. Não tem nada a ver nosso caso com o deles".



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