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CINEMA
Diretor filma vida e obra do poeta simbolista
Back recria desterro de Cruz e Sousa
JOSÉ GERALDO COUTO
enviado especial a Florianópolis
Cruz e Sousa (1861-98), poeta negro catarinense morto há cem
anos, está virando filme pelas
mãos do cineasta branco catarinense Sylvio Back, 60.
"Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro", nono longa-metragem de
Back, está sendo rodado em Florianópolis, cidade natal do poeta simbolista. O filme, orçado em R$ 700
mil e bancado em grande parte pela Telesc (telefônica estadual), deve ficar pronto no final do ano.
O elenco, majoritariamente negro, é encabeçado por Kadu Carneiro (no papel do poeta) e Maria
Ceiça (como sua mulher, Gavita).
Além de "Cruz e Sousa", o cineasta tem um filme em andamento -o documentário "Véu de Curitiba", quase todo já rodado- e
outro em projeto: a produção internacional "Lost Zweig", ficção
sobre os últimos dias do escritor
austríaco Stefan Zweig, que se suicidou em Petrópolis em 1942.
Back concedeu esta entrevista à
Folha no escritório que montou
no centro de Florianópolis para a
realização de "Cruz e Sousa".
Folha - Por que Cruz e Sousa?
Sylvio Back - Dos poetas do século passado, ele é aquele cuja obra
ainda tem um viço e uma qualidade absoluta. Não é à toa que Mário
de Andrade e Otto Maria Carpeaux, entre outros, escreveram
que a moderna poesia brasileira
começa com Cruz e Sousa.
Folha - A vida pessoal dele também foi trágica...
Back - Daria uma telenovela: viveu sempre na miséria, a mulher ficou louca, ele morreu tuberculoso
aos 36 anos... Mas meu filme evita
esse biografismo sentimental.
Folha - O filme será mais alegórico que narrativo?
Back - Difícil dizer. Selecionei fatias-chave da vida dele: a morte
dos pais, a loucura da Gavita, a forma como ele morreu, o emparedamento cultural, a busca de transcendência... Tudo o que se diz no
filme vem de suas cartas e poemas.
Transformei a poesia em personagem, dei muita importância à
palavra. A palavra, hoje, está menos banalizada que a imagem. Embora pareça um paradoxo, acho
que o cinema hoje deve mostrar
cada vez menos. O filme é um poema com 34 estrofes. Os cenários
não se repetem. No meio, três pequenos "insights" documentais,
que serão surpresas.
Folha - Seu primeiro projeto era
um documentário, não?
Back - Era um misto de documentário e ficção e teria uns 50 minutos. Mas aí, percebi que ele não
só é o maior poeta negro da língua,
como um poeta único, inimitável.
Achei que o projeto era pouco. O
personagem merecia mais.
Folha - Que temas ou poemas você privilegiou?
Back - Evitei dar visibilidade aos
poemas ou ilustrá-los. Fiz uma interpretação dentro dos parâmetros
da transcendência que ele buscava.
Sua obra está sempre entre Eros e
Tanatos, e a transcendência no
meio. Mas nunca deixou de ter um
pé na desigualdade racial.
Folha - Qual seria, em síntese, a
sua visão de Cruz e Sousa?
Back - Eu diria que ele era o negro
que não sabia o seu lugar (risos).
Essa arrogância dele é fantástica.
Ele achava que, tendo o talento e a
cultura que tinha, sendo um homem belo e galante, podia atravessar a linha da cor. E há uma mitologia perversa em torno dele (até na
comunidade negra, que praticamente desconhece sua obra).
Ele foi emparedado porque sua
obra não cabia nos parâmetros do
poder literário de seu tempo. É um
poeta que está sempre em transe.
Há uma teatralidade, um exagero.
É o poeta do excesso.
Folha - O fato de ser do Sul também lhe deu uma voz diferente...
Back - Exato. O simbolismo nasceu na província, de certo modo
passou ao largo do Rio. Começou
com Cruz e Sousa, foi a Minas, com
Alphonsus de Guimarães.
Acho que, quando foi para o Rio,
Cruz e Sousa levou esse inconsciente coletivo mágico da ilha de
Santa Catarina, com essa origem
açoriana, com Portugal, com a
África, com a escravidão.
Esse aspecto, do homem de província deslocado na capital, foi um
elemento de identificação minha
com ele. Quando cheguei com meu
filme "Lance Maior", em 1968, ao
Rio, o pessoal do cinema novo me
rechaçou. Quer dizer, de desterro
eu entendo. Estou me biografando
por meio desse personagem.
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