São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

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ENTREVISTA
Autor fala sobre novo personagem e o gosto pela polêmica em seu mais novo livro, "Contra o Brasil"
Diogo Mainardi faz provocação ao Brasil

Ormuzd Alves/Folha Imagem
O escritor Diogo Mainardi, que lança o livro "Contra o Brasil", pela Companhia das Letras, em que satiriza, por meio de citações, seu país natal


MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha



Nos parâmetros da literatura brasileira, dominada por sempre os mesmos barões sonolentos, Diogo Mainardi é ainda um garotão: matreiro, altivo e provocador.
Nasceu em 1962 e já tem quatro livros publicados pela grife Companhia das Letras, "Malthus" (1989), "Arquipélago" (1992), "Polígono das Secas" (1995) e o saído do forno "Contra o Brasil", romance cujo personagem ridiculariza o Brasil, expondo fraquezas por meio de citações de grandes pensadores estrangeiros.
Mainardi mora há 11 anos em Veneza, Itália. Faz críticas literárias para a revista "Veja" e está sempre com os pés e mãos no frigir da polêmica.
Já declarou, no programa "Metrópolis", da TV Cultura, que ele, Mainardi, era o melhor escritor brasileiro que ele, Mainardi, leu. Em uma de suas resenhas, duvidou do papai das letras pátrias, Machado de Assis, afirmando que ele copiara Laurence Sterne (1713-1768, autor inglês de "A Vida e Opiniões de Tristram Shandy").
"Escrevi isso para irritar. Adoro Machado de Assis", explicou em entrevista à Folha, em São Paulo, onde divulga seu novo livro.
A arrogância é o escudo da timidez. Mas, no caso de Mainardi, aquilo que soa antipático a um público que constantemente exige modéstia e patriotismo de seus escritores é pura sátira.
Mainardi é um anarquista. Se há trono, há cupins. Dessacraliza os barões da literatura, olha de lado para o país onde 10 mil cópias vendidas é best seller e escreve "Contra o Brasil" para provar que gente importante divide suas opiniões.
O livro é uma paulada. Pimenta Bueno, personagem principal, num delírio, toca fogo num cinema, é perseguido por mendigos e foge para refazer a trilha de Rondon e Lévi-Strauss pela Amazônia.
Bueno aventura-se à procura dos índios nhambiquaras, arregimentando seguidores com sua verborragia, utilizando e deturpando opiniões de pensadores estrangeiros que estiveram por aqui, como Charles Darwin e Albert Camus.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - Seu livro vai se chocar contra o otimismo e o nacionalismo que reina entre os literatos brasileiros. De onde vem tamanho pessimismo em relação ao Brasil?
Diogo Mainardi -
Basicamente, da política, apesar de ter certeza de que o futuro do Brasil é ficar cada vez mais rico e desligado das coisas. A TV é nefasta, não contribui.
Folha - Você é Pimenta Bueno, seu personagem pessimista?
Mainardi -
Deveria ser. No livro, ele diz que não se deve investir no Brasil. Ele é mais pessimista e radical do que eu. Eu investi na Bolsa brasileira e quebrei.
Folha - Não é a visão colonialista de um Brasil primitivo?
Mainardi -
É. Por isso o personagem só cita autores estrangeiros. Estou atacando os brasileiros e os antibrasileiros. A prática contradiz o que o personagem diz. Incorporamos mais a cultura índia e negra do que teriam planejado os dominantes. Nossa moral sexual é diferente, é degenerada. A família não existe, a religião é avacalhada. Lembra a moral sexual moura.
Folha - Você construiu o livro a partir das citações?
Mainardi -
Não, elas vieram depois. Pesquisei na Biblioteca Marciana (em Veneza) e espalhei para amigos que escrevia o livro. Quem achou a citação criticando o trânsito do Rio foi o Ivan Lessa.
Folha - Qual a maior qualidade do brasileiro?
Mainardi -
A liberdade. Posso escrever que meu personagem tratava um negro como um cavalo sem ser moralmente censurado. Os europeus têm pudor. A gente, não.
Folha - Você afirmou que Machado de Assis copiava Sterne...
Mainardi -
Só para irritar. Sou fã de Machado. No Brasil, todas as grandes idéias da civilização ocidental chegavam deturpadas. A erudição é a arma da exploração. Machado foi original. Aliás, estou adaptando um conto dele, "Pai Contra Mãe", para o cinema.
Folha - Você se considera um crítico que escreve livros ou um escritor que critica?
Mainardi -
Sou um escritor que critica por necessidade financeira e pela possibilidade de me manter em contato com a única coisa que me interessa do Brasil, a literatura. Folha - Você se considera um crítico literário severo?
Mainardi - Só ataquei gente que podia se defender, como José Sarney, Chico Buarque de Holanda, gente que tem espaço na imprensa, poder de persuasão. Os escritores têm uma posição ambivalente comigo. Ou puxam meu saco, devido aos meus artigos, ou me odeiam. Sou como um dos meus últimos amigos, Paulo Francis, uma voz solitária, ambivalente.
Folha - Como você lida com a imagem de arrogante?
Mainardi -
É a coisa que mais me incomoda. O fato de minha figura provocar polêmica só me atrapalha. Eu sou irrelevante ao lado de minha obra. Vejo a sátira como uma disciplina que não poupa nada, ninguém. Fico sem aliados. Também tenho fama de milionário. Isso me cria um desconforto. Vivo em Veneza porque é mais barato do que em São Paulo.
Folha - Você é um reacionário?
Mainardi -
Sou muito conservador. Muito aberto às artes em geral. Politicamente, sou um social-democrata pacato, sem graça. O escritor não deve se aliar politicamente. Tem de falar mal de todo o mundo, ridicularizar o político. Só se deve tomar partido quando há ameaça à liberdade de expressão.
Folha - Qual a maior crítica à literatura brasileira contemporânea?
Mainardi -
A prosa é boa. Mas não usufrui da liberdade. Tendemos a imitar, não criar. Falta risco.
Folha - Em quem Pimenta Bueno votaria nas próximas eleições?
Mainardi -
Não votaria. Ele é um anárquico.



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