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ENTREVISTA
Autor fala sobre novo personagem e o gosto pela polêmica em seu mais novo livro, "Contra o Brasil"
Diogo Mainardi faz provocação ao Brasil
Ormuzd Alves/Folha Imagem
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O escritor Diogo Mainardi, que lança o livro "Contra o Brasil", pela Companhia das Letras, em que satiriza, por meio de citações, seu país natal
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MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Nos parâmetros da literatura
brasileira, dominada por sempre
os mesmos barões sonolentos,
Diogo Mainardi é ainda um garotão: matreiro, altivo e provocador.
Nasceu em 1962 e já tem quatro
livros publicados pela grife Companhia das Letras, "Malthus"
(1989), "Arquipélago" (1992), "Polígono das Secas" (1995) e o saído
do forno "Contra o Brasil", romance cujo personagem ridiculariza o Brasil, expondo fraquezas
por meio de citações de grandes
pensadores estrangeiros.
Mainardi mora há 11 anos em
Veneza, Itália. Faz críticas literárias para a revista "Veja" e está
sempre com os pés e mãos no frigir
da polêmica.
Já declarou, no programa "Metrópolis", da TV Cultura, que ele,
Mainardi, era o melhor escritor
brasileiro que ele, Mainardi, leu.
Em uma de suas resenhas, duvidou
do papai das letras pátrias, Machado de Assis, afirmando que ele copiara Laurence Sterne (1713-1768,
autor inglês de "A Vida e Opiniões
de Tristram Shandy").
"Escrevi isso para irritar. Adoro
Machado de Assis", explicou em
entrevista à Folha, em São Paulo,
onde divulga seu novo livro.
A arrogância é o escudo da timidez. Mas, no caso de Mainardi,
aquilo que soa antipático a um público que constantemente exige
modéstia e patriotismo de seus escritores é pura sátira.
Mainardi é um anarquista. Se há
trono, há cupins. Dessacraliza os
barões da literatura, olha de lado
para o país onde 10 mil cópias vendidas é best seller e escreve "Contra o Brasil" para provar que gente
importante divide suas opiniões.
O livro é uma paulada. Pimenta
Bueno, personagem principal,
num delírio, toca fogo num cinema, é perseguido por mendigos e
foge para refazer a trilha de Rondon e Lévi-Strauss pela Amazônia.
Bueno aventura-se à procura dos
índios nhambiquaras, arregimentando seguidores com sua verborragia, utilizando e deturpando opiniões de pensadores estrangeiros
que estiveram por aqui, como
Charles Darwin e Albert Camus.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha - Seu livro vai se chocar
contra o otimismo e o nacionalismo que reina entre os literatos
brasileiros. De onde vem tamanho
pessimismo em relação ao Brasil?
Diogo Mainardi - Basicamente,
da política, apesar de ter certeza de
que o futuro do Brasil é ficar cada
vez mais rico e desligado das coisas. A TV é nefasta, não contribui.
Folha - Você é Pimenta Bueno,
seu personagem pessimista?
Mainardi - Deveria ser. No livro,
ele diz que não se deve investir no
Brasil. Ele é mais pessimista e radical do que eu. Eu investi na Bolsa
brasileira e quebrei.
Folha - Não é a visão colonialista
de um Brasil primitivo?
Mainardi - É. Por isso o personagem só cita autores estrangeiros.
Estou atacando os brasileiros e os
antibrasileiros. A prática contradiz
o que o personagem diz. Incorporamos mais a cultura índia e negra
do que teriam planejado os dominantes. Nossa moral sexual é diferente, é degenerada. A família não
existe, a religião é avacalhada.
Lembra a moral sexual moura.
Folha - Você construiu o livro a
partir das citações?
Mainardi - Não, elas vieram depois. Pesquisei na Biblioteca Marciana (em Veneza) e espalhei para
amigos que escrevia o livro. Quem
achou a citação criticando o trânsito do Rio foi o Ivan Lessa.
Folha - Qual a maior qualidade
do brasileiro?
Mainardi - A liberdade. Posso escrever que meu personagem tratava um negro como um cavalo sem
ser moralmente censurado. Os europeus têm pudor. A gente, não.
Folha - Você afirmou que Machado de Assis copiava Sterne...
Mainardi - Só para irritar. Sou fã
de Machado. No Brasil, todas as
grandes idéias da civilização ocidental chegavam deturpadas. A
erudição é a arma da exploração.
Machado foi original. Aliás, estou
adaptando um conto dele, "Pai
Contra Mãe", para o cinema.
Folha - Você se considera um crítico que escreve livros ou um escritor que critica?
Mainardi - Sou um escritor que
critica por necessidade financeira
e pela possibilidade de me manter
em contato com a única coisa que
me interessa do Brasil, a literatura.
Folha - Você se considera um crítico literário severo?
Mainardi - Só ataquei gente que
podia se defender, como José Sarney, Chico Buarque de Holanda,
gente que tem espaço na imprensa,
poder de persuasão. Os escritores
têm uma posição ambivalente comigo. Ou puxam meu saco, devido
aos meus artigos, ou me odeiam.
Sou como um dos meus últimos
amigos, Paulo Francis, uma voz
solitária, ambivalente.
Folha - Como você lida com a
imagem de arrogante?
Mainardi - É a coisa que mais me
incomoda. O fato de minha figura
provocar polêmica só me atrapalha. Eu sou irrelevante ao lado de
minha obra. Vejo a sátira como
uma disciplina que não poupa nada, ninguém. Fico sem aliados.
Também tenho fama de milionário. Isso me cria um desconforto.
Vivo em Veneza porque é mais barato do que em São Paulo.
Folha - Você é um reacionário?
Mainardi - Sou muito conservador. Muito aberto às artes em geral. Politicamente, sou um social-democrata pacato, sem graça. O
escritor não deve se aliar politicamente. Tem de falar mal de todo o
mundo, ridicularizar o político. Só
se deve tomar partido quando há
ameaça à liberdade de expressão.
Folha - Qual a maior crítica à literatura brasileira contemporânea?
Mainardi - A prosa é boa. Mas
não usufrui da liberdade. Tendemos a imitar, não criar. Falta risco.
Folha - Em quem Pimenta Bueno
votaria nas próximas eleições?
Mainardi - Não votaria. Ele é um
anárquico.
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