São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

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PERSONALIDADE
"Beethoven do sertão" resistiu ao Brasil urbano

Divulgação
O instrumentista Zé Côco do Riachão, que morreu no último dia 13


GISLENE SILVA
especial para a Folha

A morte de Zé Côco do Riachão, mestre da música caipira brasileira, no último domingo em Montes Claros (MG), não provocou a barulhenta comoção que se viu na morte dos cantores Leandro e João Paulo, representantes da atual música sertaneja.
Deixou, no entanto, um grande desconsolo na alma de quem conhece a importância de sua música ou daqueles que nela se firmam como referência de uma brasilidade resistente aos atropelos do Brasil urbano e moderno.
Fenômeno da cultura popular, Zé Côco foi admirado como um virtuose da viola e da rabeca (violino caipira). Ele dominava uma técnica de execução rara, que lhe permitia fazer solo e acompanhamentos ao mesmo tempo.
Apesar de não ter tido nenhuma "leitura", nem das palavras nem de música, compôs em vários gêneros musicais, revelando seu talento genuíno e sua sensibilidade apurada.
Fez lundus, mazurcas, dobrados, guaianos, corta-jacas, calangos e maxixes. Além disso, Zé Côco sabia tocar sanfona, violão, cavaquinho, caixa de folia e pandeiro.
Sem ter tido professor, ensinou muita gente a tocar viola.
Foi também luthier (artesão de instrumentos musicais) e trabalhou como marceneiro, ferreiro, sapateiro, fazedor de cancelas, de engenho, de carro-de-boi, roda de ralar mandioca.
Disso tudo, o que mais lhe dava alegria era tocar nas festas de Folia de Reis, que acontece todo mês de janeiro pelo país.
Como costumava dizer, sua dedicação à Folia não era questão de profissão nem de promessa. Provavelmente era de fé, porque Zé Côco -ou José dos Reis Barbosa dos Santos- nasceu no mês da festa em 1912, no Riachão, lugarejo da zona rural de Brasília de Minas, no sertão mineiro.
Descoberto pelo repentista e pesquisador de cultura popular Téo Azevedo, quando já beirava os 70 anos de idade, Zé Côco gravou apenas três discos: "Brasil Puro", em 80, "Zé Côco do Riachão", em 81, e "Vôo das Garças", em 87.
Muitas de suas peças musicais se perderam sem gravação.
No início deste ano, em São Paulo, Zé Côco foi a atração do Festival de Violeiros no Sesc Pompéia.
O músico, que estava hospitalizado havia um mês, não conseguiu superar as complicações de um derrame e morreu aos 86 anos.
Ele, que foi chamado "Beethoven do sertão" por uma equipe de reportagem da TV alemã, pensava que com sua música iria ganhar dinheiro para comprar uma fazenda. Que nada, Zé Côco morreu pobre.
Mas deixou como herança um patrimônio cultural inestimável e um lote de mil discos, de quando converteu seu terceiro LP, "Vôo das Garças", em CD.
Como não conseguiu vendê-los, eles estão encaixotados na casa de sua filha, Luisa Soares, em Montes Claros, à espera de quem quiser preservar o que restou do mestre.



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