São Paulo, Terça-feira, 19 de Outubro de 1999
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ERUDITO
Osesp toca com lucidez e arroubos

da Equipe de Articulistas

Era Mário de Andrade quem falava do "arroubo constante" de Villa-Lobos, que salva sua música da "falta de lucidez". Arroubo inconstante e lucidez o tempo todo foram as marcas do bom concerto da Orquestra Sinfônica do Estado, sábado, na Sala São Paulo.
Ainda não se tornou repetitivo dizer que a Osesp é a melhor orquestra do país; e a Sala São Paulo vai rapidamente se transformando na nossa casa.
Que mistura estranha parecem agora as "Bachianas", de Villa-Lobos (1887-1959). Um coração enorme desses pediria outra forma de expansividade, distante do contraponto barroco, muito mais livre que uma fuga. Mas o sonhado Brasil dessa geração ganha voz nas melodias avassaladoras que vão surgindo de dentro ou por fora das linhas cautelosas de uma fuga como a da "Bachiana 9".
Regidas com segurança por John Neschling, as cordas da Osesp tocaram Villa-Lobos com afinco e afinação. Faltou, talvez, o sonhado Brasil, exceto nos momentos inconstantes de arroubo. Mas esse Brasil falta mesmo ao Brasil, que ia ser tão lindo e não foi.
Mais arrebatado, e arrebatador foi Nikolai Demidenko, solista no "Concerto n.º 2", de Prokofiev (1891-1953). O "Concerto" é um monumento do modernismo (o que não é mais uma contradição de termos).
A cadência do "Andantino" foi o ponto alto desse pianista de som enorme e musicalidade natural. Não é justo pedir a músico algum que seja diferente do que é; muito menos a um pianista desse quilate. Mas a música, aqui e ali, parecia pedir um pouco menos de brilho e um pouco mais de sombra, ou ironia. Palmas para a orquestra, uma acompanhante atenta e cheia de imaginação.
O bis do pianista (Wagner-Liszt) foi prato cheio para seu estilo sem timidez. O virtuosismo aqui é da essência: em vez de atletizar a música, é o atletismo que se transcendentaliza. Demidenko foi espetacular.
Virtuosismo atlético da orquestra e atletismo transcendental da composição servem para falar do balé "Petrouchka", de Stravinski (1882-1971), uma das obras capitais desse século. (Daqui a quatro meses, uma obra-prima "do século passado", como lembrou Neschling.) Tanta coisa começa ali, a cada vez que se escuta a peça.
Não faltou vitalidade à orquestra; mas faltou, ainda, o algo-a-mais: eletricidade, selvageria no fio da navalha. Maravilhamentos da orquestração nem sempre fizeram sua mágica; e a orquestra estava em dia com as notas, mas nem sempre livre de pensar nelas.
Nada comprometeu o efeito geral; nem os desequilíbrios de volume, especialmente na relação entre os metais e o resto. A Osesp chegou a um ponto tal de excelência que obriga a platéia a rigores desse tipo.
Tudo somado, esse concerto de arroubos foi um arroubo de concerto. É uma vitória contra a barbárie. Que Free Jazz, que nada. (ARTHUR NESTROVSKI)


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