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ERUDITO
Osesp toca com lucidez e arroubos
da Equipe de Articulistas
Era Mário de Andrade quem
falava do "arroubo constante"
de Villa-Lobos, que salva sua
música da "falta de lucidez".
Arroubo inconstante e lucidez
o tempo todo foram as marcas
do bom concerto da Orquestra
Sinfônica do Estado, sábado,
na Sala São Paulo.
Ainda não se tornou repetitivo dizer que a Osesp é a melhor
orquestra do país; e a Sala São
Paulo vai rapidamente se
transformando na nossa casa.
Que mistura estranha parecem agora as "Bachianas", de
Villa-Lobos (1887-1959). Um
coração enorme desses pediria
outra forma de expansividade,
distante do contraponto barroco, muito mais livre que uma
fuga. Mas o sonhado Brasil dessa geração ganha voz nas melodias avassaladoras que vão surgindo de dentro ou por fora das
linhas cautelosas de uma fuga
como a da "Bachiana 9".
Regidas com segurança por
John Neschling, as cordas da
Osesp tocaram Villa-Lobos
com afinco e afinação. Faltou,
talvez, o sonhado Brasil, exceto
nos momentos inconstantes de
arroubo. Mas esse Brasil falta
mesmo ao Brasil, que ia ser tão
lindo e não foi.
Mais arrebatado, e arrebatador foi Nikolai Demidenko, solista no "Concerto n.º 2", de
Prokofiev (1891-1953). O "Concerto" é um monumento do
modernismo (o que não é mais
uma contradição de termos).
A cadência do "Andantino"
foi o ponto alto desse pianista
de som enorme e musicalidade
natural. Não é justo pedir a
músico algum que seja diferente do que é; muito menos a um
pianista desse quilate. Mas a
música, aqui e ali, parecia pedir
um pouco menos de brilho e
um pouco mais de sombra, ou
ironia. Palmas para a orquestra, uma acompanhante atenta
e cheia de imaginação.
O bis do pianista (Wagner-Liszt) foi prato cheio para seu
estilo sem timidez. O virtuosismo aqui é da essência: em vez
de atletizar a música, é o atletismo que se transcendentaliza.
Demidenko foi espetacular.
Virtuosismo atlético da orquestra e atletismo transcendental da composição servem
para falar do balé "Petrouchka", de Stravinski (1882-1971),
uma das obras capitais desse
século. (Daqui a quatro meses,
uma obra-prima "do século
passado", como lembrou Neschling.) Tanta coisa começa ali,
a cada vez que se escuta a peça.
Não faltou vitalidade à orquestra; mas faltou, ainda, o algo-a-mais: eletricidade, selvageria no fio da navalha. Maravilhamentos da orquestração
nem sempre fizeram sua mágica; e a orquestra estava em dia
com as notas, mas nem sempre
livre de pensar nelas.
Nada comprometeu o efeito
geral; nem os desequilíbrios de
volume, especialmente na relação entre os metais e o resto. A
Osesp chegou a um ponto tal
de excelência que obriga a platéia a rigores desse tipo.
Tudo somado, esse concerto
de arroubos foi um arroubo de
concerto. É uma vitória contra
a barbárie. Que Free Jazz, que
nada.
(ARTHUR NESTROVSKI)
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