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FEIRA DE LIVROS
Escritor fala à Folha sobre "'Tis", continuação de "Cinzas de Ângela", que ele lança na Alemanha
McCourt traz novas cinzas a Frankfurt
CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Frankfurt
Até 1996, Frank McCourt só seria parado nas ruas de Nova York,
onde mora, se algum transeunte
quisesse saber as horas, ou algo
do gênero.
Era um imigrante irlandês, professor de um colégio de segundo
grau. Mas nesse ano, McCourt
publicou o livro de memórias "As
Cinzas de Ângela".
Ganhou o prestigiado Prêmio
Pulitzer e, em seguida, o primeiro
posto na lista de mais vendidos do
"The New York Times".
Três anos depois, seu primeiro
livro ainda está no topo. Agora
como o mais vendido em "paperback" (capa de papel).
O campeão na categoria principal, a de capa dura, é um tal de
Frank McCourt, com o recém-publicado "'Tis", seu segundo livro, e espécie de continuação do
também autobiográfico "As Cinzas de Ângela", publicado no Brasil pela editora Objetiva.
McCourt não pode mais andar
incógnito. Sempre há alguma caneta e um pedaço de papel sendo
colocados em sua frente por um
caçador de autógrafos. Assim foi
em Frankfurt, onde esteve para
lançar "'Tis", tema central da conversa que teve com a Folha.
Folha - Em "As Cinzas de Ângela", existe um lirismo permeando toda a obra. Em "'Tis",
há um certo amargor, não?
Frank McCourt - Não creio nisso. Existe sim desapontamento.
Trata-se de alguém desnorteado,
desconcertado. Você chega na
América. Não tem educação, não
tem nada. É muito duro entrar na
vida americana. Lá está você na
terra dos sonhos. E os sonhos não
vêm.
Folha - Como foi que você acabou entrando no "american way
of life"?
McCourt - Não entrei por completo. Gosto de Nova York. Fora
de lá, sou um estrangeiro.
Folha - Mas o sr. também foi
um estrangeiro em Nova York
por um longo tempo, não?
McCourt - Era tudo difícil. A
mesma língua, mas uma falta total de ferramentas. Eu tinha maus
olhos e dentes ruins. Olhava outras pessoas, que tinham tudo, e
ficava muito claro o vazio que eu
carregava. Talvez ficasse bravo,
mas não amargo.
Folha - Em "'Tis" fica subentendido que essa sua raiva é o
que mais lhe impulsionou.
McCourt - É que eu queria mostrar o que acontece com a mente
de quem cresce pobre na Irlanda e
depois vai para um país rico. Quis
mostrar como é duro partir de
um para o outro.
Folha - Por que a literatura irlandesa é tão associada com a
diáspora, com a fuga?
McCourt - James Joyce partiu,
mas Yeats ficou. A coisa não é tão
concreta. E hoje é tudo muito diferente. Os jovens autores vivem
na Irlanda. Ótimos escritores como Roddy Doyle e Patrick McCabe vivem lá.
Folha - Em "Nó na Garganta",
McCabe conta a atormentada
infância de um garoto irlandês e
pobre, como o sr. em "As Cinzas
de Ângela". Em ambos, há lirismo, há violência, mas também
humor. O sr. vê alguma ligação
entre sua literatura e a produzida por irlandeses como ele?
McCourt - Não vejo ligação com
nada. Sou só eu. Não sou irlandês,
nem americano.
Folha - Se o sr. não se considera americano, nem irlandês...?
McCourt - Não me importo.
Também fui batizado, mas não
sou mais católico. Costumava votar no Partido Democrata, agora
voto independente. Não sou irlandês, nem americano. Estou no
meio do Atlântico. Não faço parte
de nenhum grupo, não pertenço a
nada e não me importo a mínima
com isso. Quero ser livre. Estar no
meu lugar e escrever o que eu gosto.
Folha - O que o sr. escreve
atualmente?
McCourt - É um romance.
Folha - Um romance autobiográfico?
McCourt - Não e sim. É sobre
professores, e fui um deles por 30
anos. Foi a principal coisa em minha vida. Mas agora faço ficção.
Não quero falar sobre professores
reais e ter de me preocupar com o
que vão pensar.
Folha - "As Cinzas de Ângela"
foi seu primeiro livro, e foi um
sucesso retumbante. Como foi a
pressão do segundo livro?
McCourt - Não senti muito nos
ombros. "Ângela" tornou-se um
grande sucesso. Mas "'Tis" está
vendendo mais rápido que "Ângela". Bem, claro que por causa de
"Ângela", que também está saindo agora em filme nos Estados
Unidos.
Folha - Quem dirige?
McCourt - Alan Parker ("Os
Commitments - Loucos pela Fama" e "Evita"). Será lançado agora, no Natal.
Folha - O sr. já assistiu algo?
Acha possível que traduza a
poesia de seu livro?
McCourt - Não tenho acompanhado o filme. E também não
acho que exista poesia em "Ângela". Na verdade, nem mesmo gosto de poesia.
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