São Paulo, Terça-feira, 19 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FEIRA DE LIVROS
Escritor fala à Folha sobre "'Tis", continuação de "Cinzas de Ângela", que ele lança na Alemanha
McCourt traz novas cinzas a Frankfurt

CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Frankfurt

Até 1996, Frank McCourt só seria parado nas ruas de Nova York, onde mora, se algum transeunte quisesse saber as horas, ou algo do gênero.
Era um imigrante irlandês, professor de um colégio de segundo grau. Mas nesse ano, McCourt publicou o livro de memórias "As Cinzas de Ângela".
Ganhou o prestigiado Prêmio Pulitzer e, em seguida, o primeiro posto na lista de mais vendidos do "The New York Times".
Três anos depois, seu primeiro livro ainda está no topo. Agora como o mais vendido em "paperback" (capa de papel).
O campeão na categoria principal, a de capa dura, é um tal de Frank McCourt, com o recém-publicado "'Tis", seu segundo livro, e espécie de continuação do também autobiográfico "As Cinzas de Ângela", publicado no Brasil pela editora Objetiva.
McCourt não pode mais andar incógnito. Sempre há alguma caneta e um pedaço de papel sendo colocados em sua frente por um caçador de autógrafos. Assim foi em Frankfurt, onde esteve para lançar "'Tis", tema central da conversa que teve com a Folha.

Folha - Em "As Cinzas de Ângela", existe um lirismo permeando toda a obra. Em "'Tis", há um certo amargor, não?
Frank McCourt -
Não creio nisso. Existe sim desapontamento. Trata-se de alguém desnorteado, desconcertado. Você chega na América. Não tem educação, não tem nada. É muito duro entrar na vida americana. Lá está você na terra dos sonhos. E os sonhos não vêm.

Folha - Como foi que você acabou entrando no "american way of life"?
McCourt -
Não entrei por completo. Gosto de Nova York. Fora de lá, sou um estrangeiro.

Folha - Mas o sr. também foi um estrangeiro em Nova York por um longo tempo, não?
McCourt -
Era tudo difícil. A mesma língua, mas uma falta total de ferramentas. Eu tinha maus olhos e dentes ruins. Olhava outras pessoas, que tinham tudo, e ficava muito claro o vazio que eu carregava. Talvez ficasse bravo, mas não amargo.

Folha - Em "'Tis" fica subentendido que essa sua raiva é o que mais lhe impulsionou.
McCourt -
É que eu queria mostrar o que acontece com a mente de quem cresce pobre na Irlanda e depois vai para um país rico. Quis mostrar como é duro partir de um para o outro.

Folha - Por que a literatura irlandesa é tão associada com a diáspora, com a fuga?
McCourt -
James Joyce partiu, mas Yeats ficou. A coisa não é tão concreta. E hoje é tudo muito diferente. Os jovens autores vivem na Irlanda. Ótimos escritores como Roddy Doyle e Patrick McCabe vivem lá.

Folha - Em "Nó na Garganta", McCabe conta a atormentada infância de um garoto irlandês e pobre, como o sr. em "As Cinzas de Ângela". Em ambos, há lirismo, há violência, mas também humor. O sr. vê alguma ligação entre sua literatura e a produzida por irlandeses como ele?
McCourt -
Não vejo ligação com nada. Sou só eu. Não sou irlandês, nem americano.

Folha - Se o sr. não se considera americano, nem irlandês...?
McCourt -
Não me importo. Também fui batizado, mas não sou mais católico. Costumava votar no Partido Democrata, agora voto independente. Não sou irlandês, nem americano. Estou no meio do Atlântico. Não faço parte de nenhum grupo, não pertenço a nada e não me importo a mínima com isso. Quero ser livre. Estar no meu lugar e escrever o que eu gosto.

Folha - O que o sr. escreve atualmente?
McCourt -
É um romance.

Folha - Um romance autobiográfico?
McCourt -
Não e sim. É sobre professores, e fui um deles por 30 anos. Foi a principal coisa em minha vida. Mas agora faço ficção. Não quero falar sobre professores reais e ter de me preocupar com o que vão pensar.

Folha - "As Cinzas de Ângela" foi seu primeiro livro, e foi um sucesso retumbante. Como foi a pressão do segundo livro?
McCourt -
Não senti muito nos ombros. "Ângela" tornou-se um grande sucesso. Mas "'Tis" está vendendo mais rápido que "Ângela". Bem, claro que por causa de "Ângela", que também está saindo agora em filme nos Estados Unidos.

Folha - Quem dirige?
McCourt -
Alan Parker ("Os Commitments - Loucos pela Fama" e "Evita"). Será lançado agora, no Natal.

Folha - O sr. já assistiu algo? Acha possível que traduza a poesia de seu livro?
McCourt -
Não tenho acompanhado o filme. E também não acho que exista poesia em "Ângela". Na verdade, nem mesmo gosto de poesia.


Texto Anterior: Arnaldo Jabor: João Cabral mostrou o que a poesia poderia ser
Próximo Texto: Frankfurtianas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.