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CRÍTICA
Detetive descobre o jeitinho brasileiro
RUY GARDNIER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um ícone da lógica e da pontualidade britânica em pleno
Rio da "belle époque", terra do sol
e da perdição tropical. "O Xangô
de Baker Street" é a lúdica tentativa de mostrar que no Brasil o relógio do inglês atrasa, as pistas do
detetive não são tão claras, e os
sentidos podem pregar peças inimagináveis abaixo do Equador.
Adaptação do romance homônimo de Jô Soares, "O Xangô de
Baker Street" é um filme feito para o grande público. Com uma
produção cara e bem cuidada,
boas reconstituição de época e locações, o filme de Miguel Faria Jr.
dá ao espectador comum o que
ele espera: humor, uma direção
correta -mesmo que sem grandes vôos- e um ritmo agradável.
Em 1886, Sherlock Holmes chega ao Rio para resolver o estranho
caso do sumiço de um violino
Stradivarius, que parece ligado,
de alguma forma, a algumas mortes. Chegando ao Brasil, Holmes e
dr. Watson se deparam com as dificuldades de investigação na terra do samba e do jeitinho.
Em seu percurso, o detetive passará por peripécias que o afastarão de seu objetivo. São os momentos mais interessantes do filme, em que a dupla mergulha em
rituais nada europeus: a macumba, a cachaça, o calor dos trópicos... Dentro desse mundo, o
grande Sherlock não passa de um
novato: erra em todas as deduções, cai de amores por uma mulata que lhe revela os segredos do
amor e de uma certa erva indiana
chamada "cannabis" e, na cena
mais hilariante do filme, acaba inventando a caipirinha.
"O Xangô de Baker Street" se
inscreve num tropicalismo bem-comportado, em que a mistura do
nacional com o estrangeiro se dá
pela assimilação entre culturas e
explora as situações de comédia
que surgem desse encontro.
Se as situações de humor ganham o filme, os momentos de
suspense não são exatamente eficientes. Além de filmados sem
inspiração, a ênfase dada a esses
momentos tira o clima de suspense necessário à trama policial.
Joaquim de Almeida está muito
bem no papel de um Holmes que
fala português, assim como Anthony O'Donnell na pele do dr.
Watson. O elenco nacional se porta de forma irregular: enquanto
Marco Nanini dá seu show costumeiro, Cláudia Abreu parece moderna demais para o papel.
Quanto ao próprio Jô Soares,
que faz pequenas aparições no filme, pode-se dizer que ele já esteve
melhor em filmes mais malditos,
como "A Mulher de Todos", ou
no clássico de Carlos Manga, "O
Homem do Sputnik". Dono de
uma extensa carreira cinematográfica, Jô foi, inclusive, diretor de
"O Pai do Povo" em 1976. Será
que "Xangô" não é um motivo
para uma volta ao cinema?
Ruy Gardnier é jornalista e editor da revista eletrônica "Contracampo"
O Xangô de Baker Street
Direção: Miguel Faria Jr.
Produção: Brasil, 2001
Com: Joaquim de Almeida, Maria de
Medeiros
Quando: a partir de hoje nos cinemas do
Rio; na próxima sexta (dia 26), estréia nas
salas de São Paulo
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