São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2001

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CRÍTICA

Detetive descobre o jeitinho brasileiro

RUY GARDNIER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um ícone da lógica e da pontualidade britânica em pleno Rio da "belle époque", terra do sol e da perdição tropical. "O Xangô de Baker Street" é a lúdica tentativa de mostrar que no Brasil o relógio do inglês atrasa, as pistas do detetive não são tão claras, e os sentidos podem pregar peças inimagináveis abaixo do Equador.
Adaptação do romance homônimo de Jô Soares, "O Xangô de Baker Street" é um filme feito para o grande público. Com uma produção cara e bem cuidada, boas reconstituição de época e locações, o filme de Miguel Faria Jr. dá ao espectador comum o que ele espera: humor, uma direção correta -mesmo que sem grandes vôos- e um ritmo agradável.
Em 1886, Sherlock Holmes chega ao Rio para resolver o estranho caso do sumiço de um violino Stradivarius, que parece ligado, de alguma forma, a algumas mortes. Chegando ao Brasil, Holmes e dr. Watson se deparam com as dificuldades de investigação na terra do samba e do jeitinho.
Em seu percurso, o detetive passará por peripécias que o afastarão de seu objetivo. São os momentos mais interessantes do filme, em que a dupla mergulha em rituais nada europeus: a macumba, a cachaça, o calor dos trópicos... Dentro desse mundo, o grande Sherlock não passa de um novato: erra em todas as deduções, cai de amores por uma mulata que lhe revela os segredos do amor e de uma certa erva indiana chamada "cannabis" e, na cena mais hilariante do filme, acaba inventando a caipirinha.
"O Xangô de Baker Street" se inscreve num tropicalismo bem-comportado, em que a mistura do nacional com o estrangeiro se dá pela assimilação entre culturas e explora as situações de comédia que surgem desse encontro.
Se as situações de humor ganham o filme, os momentos de suspense não são exatamente eficientes. Além de filmados sem inspiração, a ênfase dada a esses momentos tira o clima de suspense necessário à trama policial.
Joaquim de Almeida está muito bem no papel de um Holmes que fala português, assim como Anthony O'Donnell na pele do dr. Watson. O elenco nacional se porta de forma irregular: enquanto Marco Nanini dá seu show costumeiro, Cláudia Abreu parece moderna demais para o papel.
Quanto ao próprio Jô Soares, que faz pequenas aparições no filme, pode-se dizer que ele já esteve melhor em filmes mais malditos, como "A Mulher de Todos", ou no clássico de Carlos Manga, "O Homem do Sputnik". Dono de uma extensa carreira cinematográfica, Jô foi, inclusive, diretor de "O Pai do Povo" em 1976. Será que "Xangô" não é um motivo para uma volta ao cinema?


Ruy Gardnier é jornalista e editor da revista eletrônica "Contracampo"


O Xangô de Baker Street
  
Direção: Miguel Faria Jr.
Produção: Brasil, 2001
Com: Joaquim de Almeida, Maria de Medeiros
Quando: a partir de hoje nos cinemas do Rio; na próxima sexta (dia 26), estréia nas salas de São Paulo



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