São Paulo, Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"ASSIM É QUE SE RIA"

Apego à tradição resume os limites de Amelio

da Redação

"Assim É que se Ria" suscita sentimentos ambíguos. É quase impossível não sentir simpatia por um filme que recoloca o espectador em contato com a Itália: seus sons, cores e luzes.
Isso parece quase programático no filme de Gianni Amelio. A um cinema italiano que chega cada vez mais raramente ao resto do mundo, responde-se com a tradição: "Assim É que se Ria" trata do destino de dois irmãos sicilianos que vivem em Turim, entre 1958 e 1964. O mais velho, Giovanni, uma simpatia, se mata para que o mais novo, Pietro, estude. Pietro é malandro, Giovanni, inocente.
À simples menção do resumo, o espectador mais antigo recordará vários títulos e perceberá o apego de Amelio à tradição neo-realista: personagens do povo, visão humanista, observação dos costumes e tom melodramático.
Mas o neo-realismo de Amelio olha para trás como se tirasse da tumba um cadáver precioso para lhe dar uma nova vida. Mas o que se consegue ver é uma espécie de morto-vivo -não um zumbi assustador, mas até agradável, com o qual se pode conviver.
Amelio é um cineasta competente o bastante para escolher bem seus atores (Enrico Lo Verso, que faz Giovanni, está formidável), para construir um roteiro capaz de plantar expectativas e desenvolver personagens, para controlar uma máquina de produção pesada. Em suma, para ganhar o Leão de Ouro em Veneza (1998).
Mas a evocação dos tempos gloriosos não basta para relançar a indústria italiana internacionalmente. Roberto Benigni, por exemplo, tem mais senso de oportunidade ao olhar para trás: é a um tempo mais "sério", mais digestivo e mais polêmico. Um Nanni Moretti, ao contrário, sabe olhar para seu tempo e tirar desse olhar um questionamento efetivo (o que faz dele um herdeiro de fato da tradição neo-realista).
Como em "As Portas da Justiça" e "Lamerica", Amelio fica preso à representação clássica -à idéia de que o verossímil seja aceito como verdadeiro pelo espectador- e à solidariedade algo mecânica pelos pobres. Tudo é digno, tudo é "clean", mas sem gênio. Mesmo com a narrativa marcada por elipses ousadas (são seis episódios ao longo de seis anos, em que o que não é mostrado é quase sempre mais intrigante do que o que é), elas acabam colocando em relevo.
Vendo "Assim É que se Ria", é quase impossível não se reportar a antigos filmes italianos. Ora "Ladrões de Bicicletas", ora "Rocco e Seus Irmãos", "Dois Destinos" etc. É quase um mostruário do que o cinema italiano já foi, de sua grandeza, embora não pareça fornecer a chave do que possa vir a ser, caso queira readquirir essa grandeza. Talvez até por esse apego ao passado, é inegável que estamos diante de algo mais interessante do que o produzido pela "geração do meio" (de Liliana Cavani, Lina Wertmuller etc.), que realmente enterrou o cinema italiano. (INÁCIO ARAUJO)


Avaliação:   


Filme: Assim É que se Ria
Título original: Così Ridevano
Diretor: Gianni Amelio
Produção: Itália, 1998
Com: Franceso Giuffrida, Enrico Lo Verso e Patrizia Marino
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc




Texto Anterior: Crítica: Filme traz moralismo americano
Próximo Texto: Livro: Obra busca jogar luz sobre Gilberto Gil
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.