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TEATRO/"FRAGMENTOS"
Antunes busca realismo na tragédia grega
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
É instigante acompanhar o que
acontece com uma jovem atriz
como Gabriela Flores e uma personagem como Hécuba, em
"Fragmentos Troianos", montagem de Antunes Filho para "As
Troianas", de Eurípides. A atriz
não parte, como de costume, dos
exageros, dos extremos, para depois ir lapidando.
Pelo contrário, vista numa primeira apresentação há seis meses
e novamente agora, na estréia em
São Paulo, é como se a personagem começasse a surgir por entre
as frestas da máscara extremamente rígida, da sufocante caracterização formal.
Talvez seja essa, afinal, a diferença entre o que Antunes exige
de seus atores e o que fazem outros artistas, como o dramaturgo
e diretor norte-americano David
Mamet, autor de um brilhante antimanual para atores, o recente
"True and False". Enquanto este
último fala em ser verdadeiro antes de mais nada, intérpretes como Gabriela Flores são, antes de
tudo, falsos.
Com uma das personagens
mais paradigmáticas para uma
atriz de teatro, ela arrisca errar
feio: o egoísmo de sua Hécuba a
distancia muito da costumeira
"mãe" de Tróia. Sua soberba aristocrática, sua frieza, seu calculismo, até sua empostação de voz:
nada nela reflete a Hécuba de encenações emocionantes, verdadeiramente trágicas, como na
"Trilogia Antiga", do romeno Andrei Serban, mostrada em São
Paulo no início da década.
A tragédia dessa jovem Hécuba
nada tem de gloriosa -é realista,
não aceita piedade.
Por outro lado, é quase tão instigante acompanhar, em "Fragmentos Troianos", como se desenvolveram a cenografia e os figurinos concebidos, ao lado de
outros iniciantes, por Jacqueline
Castro Ozelo.
Isso não só no telão de fundo,
com as suas camadas de referências, que ela e outros projetaram,
para a execução final de Juvenal
Irene dos Santos, mas em tudo:
camadas de imagens, de eras diversas, como nas camadas de panos que cobrem Hécuba e demais
troianas.
São figurinos que reportam tanto às muçulmanas que choram os
filhos mortos, nos Bálcãs ou no
Oriente Médio, como às judias
dos campos de concentração da
Segunda Guerra Mundial; como
às "loucas da praça de Mayo", que
ainda pedem pelos filhos desaparecidos na Argentina.
Mas "Fragmentos Troianos"
não é, está longe de ser, um espetáculo irrepreensível.
Dessa vez, o conhecido domínio
de Antunes Filho dos movimentos em grupo no palco -como
um duque de Saxe-Meiningen
pós-moderno- não ocultam o
desencontro, a irregularidade e
inconstância do coro. E o que poderia ser tragicamente patético,
em cenas coreografadas ao detalhe, cai sem forças.
Por outro lado, Sabrina Greve,
que fez Andrômaca com especial
intensidade na apresentação de
meio ano atrás, como que passou
por um embotamento de interpretação, embora seja ainda envolvente, até emocionante. Seu
personagem, afinal, é aquele que
tem verdadeira motivação trágica
na peça de Eurípides, com a perda
do filho, ainda bebê, executado
pelos guerreiros gregos.
Com a Cassandra de Patrícia
Dinely, escravizada como as outras troianas, acontece coisa diferente. A atriz parece estar ali para
evidenciar o confronto de estilos
de interpretação com a Hécuba de
Gabriela Flores. Cassandra grita,
chora, se descabela, mas sem que
isso chegue a estimular, necessariamente, emoção na platéia. É
um contraponto de melodrama,
não de tragédia, à busca do realismo em Eurípides.
Avaliação:
Peça: Fragmentos Troianos
Texto: Eurípides
Adaptação e direção: Antunes Filho
Elenco: Gabriela Flores, Sabrina Greve,
Patrícia Dinely, Emerson Danesi e outros
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila
Nova, 245, tel. 0/xx/11/256-2281)
Quando: de qui. a sáb., às 21h30; dom.,
às 19h
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (estudantes com
carteira e comerciários matriculados)
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