São Paulo, Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999
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TEATRO/"FRAGMENTOS"

Antunes busca realismo na tragédia grega

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

É instigante acompanhar o que acontece com uma jovem atriz como Gabriela Flores e uma personagem como Hécuba, em "Fragmentos Troianos", montagem de Antunes Filho para "As Troianas", de Eurípides. A atriz não parte, como de costume, dos exageros, dos extremos, para depois ir lapidando.
Pelo contrário, vista numa primeira apresentação há seis meses e novamente agora, na estréia em São Paulo, é como se a personagem começasse a surgir por entre as frestas da máscara extremamente rígida, da sufocante caracterização formal.
Talvez seja essa, afinal, a diferença entre o que Antunes exige de seus atores e o que fazem outros artistas, como o dramaturgo e diretor norte-americano David Mamet, autor de um brilhante antimanual para atores, o recente "True and False". Enquanto este último fala em ser verdadeiro antes de mais nada, intérpretes como Gabriela Flores são, antes de tudo, falsos.
Com uma das personagens mais paradigmáticas para uma atriz de teatro, ela arrisca errar feio: o egoísmo de sua Hécuba a distancia muito da costumeira "mãe" de Tróia. Sua soberba aristocrática, sua frieza, seu calculismo, até sua empostação de voz: nada nela reflete a Hécuba de encenações emocionantes, verdadeiramente trágicas, como na "Trilogia Antiga", do romeno Andrei Serban, mostrada em São Paulo no início da década.
A tragédia dessa jovem Hécuba nada tem de gloriosa -é realista, não aceita piedade.
Por outro lado, é quase tão instigante acompanhar, em "Fragmentos Troianos", como se desenvolveram a cenografia e os figurinos concebidos, ao lado de outros iniciantes, por Jacqueline Castro Ozelo.
Isso não só no telão de fundo, com as suas camadas de referências, que ela e outros projetaram, para a execução final de Juvenal Irene dos Santos, mas em tudo: camadas de imagens, de eras diversas, como nas camadas de panos que cobrem Hécuba e demais troianas.
São figurinos que reportam tanto às muçulmanas que choram os filhos mortos, nos Bálcãs ou no Oriente Médio, como às judias dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial; como às "loucas da praça de Mayo", que ainda pedem pelos filhos desaparecidos na Argentina.
Mas "Fragmentos Troianos" não é, está longe de ser, um espetáculo irrepreensível.
Dessa vez, o conhecido domínio de Antunes Filho dos movimentos em grupo no palco -como um duque de Saxe-Meiningen pós-moderno- não ocultam o desencontro, a irregularidade e inconstância do coro. E o que poderia ser tragicamente patético, em cenas coreografadas ao detalhe, cai sem forças.
Por outro lado, Sabrina Greve, que fez Andrômaca com especial intensidade na apresentação de meio ano atrás, como que passou por um embotamento de interpretação, embora seja ainda envolvente, até emocionante. Seu personagem, afinal, é aquele que tem verdadeira motivação trágica na peça de Eurípides, com a perda do filho, ainda bebê, executado pelos guerreiros gregos.
Com a Cassandra de Patrícia Dinely, escravizada como as outras troianas, acontece coisa diferente. A atriz parece estar ali para evidenciar o confronto de estilos de interpretação com a Hécuba de Gabriela Flores. Cassandra grita, chora, se descabela, mas sem que isso chegue a estimular, necessariamente, emoção na platéia. É um contraponto de melodrama, não de tragédia, à busca do realismo em Eurípides.


Avaliação:     




Peça: Fragmentos Troianos
Texto: Eurípides
Adaptação e direção: Antunes Filho
Elenco: Gabriela Flores, Sabrina Greve, Patrícia Dinely, Emerson Danesi e outros
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/256-2281)
Quando: de qui. a sáb., às 21h30; dom., às 19h
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (estudantes com carteira e comerciários matriculados)





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