São Paulo, sexta-feira, 19 de novembro de 2004

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CINEMA

"Contra Todos", estréia de Roberto Moreira, ganhou prêmios na Itália e no Rio

Longa revira batalhas da periferia paulistana

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

No princípio, "Contra Todos" teria Deus como prenome. O diretor e roteirista Roberto Moreira optou por reduzi-lo. "Estar contra todos é uma força muito maior. É uma fatalidade mesmo. E é uma experiência cotidiana de dificuldade, de luta", diz.
Uma analogia entre a história do filme e de seu próprio título poderia ser esta: Deus perdeu a batalha para o que existe de mais humano (e destruidor): o desejo, a rebeldia, o amor ou a falta dele.
O filme de estréia de Moreira, 43, professor de roteiro e direção da ECA-USP (Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo), trata sobretudo das relações e dos sentimentos de seus personagens convivendo na árida periferia paulistana.
Do "rico" ambiente social onde moram, rebentam a religião, encarnada nos evangélicos, e a violência, através da figura do matador. Essas aparentes contradições estão condensadas no personagem de Giulio Lopes, Teodoro.
Casado com Claudia (Leona Cavalli) e pai de Soninha (Silvia Lourenço), ele é, ao mesmo tempo, um fervoroso pregador da Bíblia e um calmo assassino, que age em parceria com o amigo Waldomiro (Aílton Graça).
"Queria trabalhar a questão da violência, e o matador é um foco de violência", conta o diretor.
Os personagens vão se desenhando com complexidade, mas sem que se imponham traços maniqueístas.
Teodoro é também um pai distante e um homem com o casamento em crise que se apaixona por outra mulher. A filha adolescente rebela-se, confronta o pai, mas o ciúme de Claudia denota seu amor por ele.
Boa parte do mérito da verossimilhança das personagens está nas notáveis interpretações. Silvia Lourenço ganhou o prêmio de melhor atriz no 19º Festival Latino-Americano de Trieste, na Itália, no último mês, e no Festival do Rio deste ano.
"Foi difícil acreditar que um projeto tão intimista, de equipe tão pequena, seria visto por todo mundo. A surpresa com o prêmio na Itália foi enorme. Eles não te conhecem, não falam sua língua e ainda assim reconhecem seu trabalho", diz Silvia, que faz sua estréia no cinema.
O filme levou ainda o prêmio de melhor longa brasileiro, escolhido pelo júri, no festival carioca, e foi convidado para mostras internacionais, em Berlim, Biarritz e Chicago, entre outras.

Cidade de Deus
Apesar de ser um filme de ficção, o diretor optou por trabalhar o filme de forma muito parecida com a utilizada no cinema documental.
"Criamos um mundo ficcional muito coerente, a câmera entra e tenta filmar como em um documentário. As coisas não estão organizadas para a câmera."
O longa foi filmado na região leste da capital paulista, no bairro de Aricanduva. O centro aparece só como coadjuvante -uma das tomadas iniciais tem como locação as Grandes Galerias, também conhecida como Galeria do Rock.
O fato de representar uma realidade de exclusão social gerou uma comparação entre o filme de Moreira e "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, um dos produtores de "Contra Todos".
"Acho que faz todo o sentido. É um arco. "Cidade de Deus" é o máximo na verossimilhança, a gente acredita naquele mundo, onde tudo se encaixa. O meu filme também quer isso, chegar perto, envolver o espectador."


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