São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Cantor diz que sentia inveja do envolvimento de Gil na política

Caixa reúne 40 CDs e raridades de Caetano

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Enquanto o companheiro de Tropicalismo Gilberto Gil engoma o terno para subir a rampa do Planalto com Luiz Inácio Lula da Silva, a banda mais "bicho solto" do mesmo movimento, representada por Caetano Veloso, 60, gargareja o desprezo -ainda a política do ídolo velho J.L. Godard?- pelos poderes constituídos.
De crença mais liberal, Caetano demonstrou certa simpatia pelo governo FHC. Na campanha eleitoral, manteve-se posicionado no gelo baiano, sem maiores paixões. Diz que aprecia mesmo é "política subterrânea", a que resultou, por exemplo, no "Bicho Baile Show", tertúlia que promoveu, nos anos 70, com os rapazes da Black Rio.
A gravação do remelexo, encontrada por Charles Gavin nos porões da MPB, é a novidade do "Todo Caetano 2002 ", caixa com 40 CDs embalados como se fossem mini-LPs. Os mais antigos reproduzem as capas e encartes dos vinis originais. E os que nem saíram em vinil agora ganham ares de antiguidade. Têm até aqueles saquinhos foscos que protegiam as bolachas.
No começo da noite de anteontem, na sede da gravadora Universal, na Barra da Tijuca, Rio, um Caetano Veloso modesto -"a gente se chateia da gente"- para o seu padrão de pavonices concedeu entrevista à imprensa para falar sobre o lançamento. A seguir, os principais trechos:

Gilberto Gil/Lula
Aceitou? [o cargo de ministro da Cultura". Deve ser bom pra ele. Ele foi pioneiro na campanha de Lula, entrou desde o início da campanha. Eu tô pensando em entrar agora (risos). Isso aí nem tenho acompanhado. Tem tantas caixas de disco para falar. Não entendo desse negócio. Sinceramente eu tenho uma reação assim de repulsa, uma vontade de me afastar de tudo que seja ou pareça poder oficial. É um negócio que vem do meu pai. Falei tudo que poderia falar, com essa ignorância e esse relativo desinteresse, mas muito interessado tanto na vida do país como na vida dele (Gil). Eu disse que entendia o entusiasmo dele. Sempre gostei muito de ele estar envolvido na campanha desde cedo. E às vezes tinha inveja de não estar também.

"Todo o Caetano", a caixa
A primeira pessoa que falou comigo foi o próprio Charles (Gavin, diretor do projeto). Gostei muito porque quando a outra caixa saiu, tinha gostado muito de ver tudo junto. Mas quando botei para ouvir... eu não achei que soasse muito bem. Não tenho muita paciência para ouvir meus discos, acho um trabalho penoso. Acho aquele cara (ele mesmo) chato. A gente se chateia da gente.

Show com Black Rio
Isso para mim é a coisa mais maravilhosa de tudo. O Charles descobriu essas gravações lá na Warner. Fiquei maravilhado pelo mero fato de haver um registro de um acontecimento que para mim é de tão grande importância. Eu tinha muito orgulho de ter feito esses shows com a banda Black Rio. Foi um disco muito agredido pela crítica... Eu tirei as cadeiras do teatro Carlos Gomes para que as pessoas pudessem dançar. Queriam algo mais engajado. E eu via que era uma coisa politicamente mais importante: o aparecimento do movimento Black Rio, daquela vertente saiu o funk carioca e toda a cena hip hop do Brasil. Vem dessa experiência. Outra coisa que teve muita importância nessa época foi uma visita que fiz à Africa, a convite do Gil. Essa politica subterrânea me excita muito.

Músicas restauradas
Tive mais curiosidade em ouvir logo o disco "Uns" porque na outra caixa soava tão mal! Tem muitas coisas que viraram agora outra coisa, nessa caixa. A música do Péricles Cavalcanti virou outra música. A música da Marina Lima, também, aquela "Bobagens, Meu Filho, Bobagens". A voz com o pessoal tocando, soa um pop que parece gravado hoje.

Internacional Comunista
A censura implicava com umas coisas e outras, nem notava, como a Internacional Comunista que botamos na música "Enquanto Seu Lobo Não Vem".

Estética e cosmética
Penso muito no Glauber a cada filme que se passa no Brasil. Mas não penso nesses termos, na dualidade estética da fome x cosmética da fome, como propõem. É empobrecedor. O buraco é mais embaixo. Acho, por exemplo, que há uma grande cosmética da fome em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", que é de outra natureza -é um filme estilizado, espalhafatosamente estilizado...

O padrão Chico Buarque
O Chico tem um controle de qualidade que ele mantém sempre lá em cima. E eu não. Eu acabo fazendo outras coisas, penso no show, penso que sou cantor, penso que sou um personagem... Não é na canção que está o produto final, é na composição dessas coisas todas. Não tem encheção de linguiça, não tem coisa só pra preencher o pedaço da música como nas minhas. Não tem rima feia, não tem rima que não seja plenamente justificada pela idéia que está sendo enunciada. E nas minhas têm. Tem erro de prosódia, de tudo, e eu deixo. Às vezes, achando que aquilo é bacana. Às vezes eu deixo como um negócio sujo, às vezes deixo achando que é ruim mesmo.


Texto Anterior: "Cantoria brasileira": Kuarup se destaca por regravações da MPB
Próximo Texto: Crítica: Caça-níquel natalino tem só "Baile Show" como novidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.