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MÚSICA
Cantor diz que sentia inveja do envolvimento de Gil na política
Caixa reúne 40 CDs e raridades de Caetano
XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Enquanto o companheiro de
Tropicalismo Gilberto Gil engoma o terno para subir a rampa do
Planalto com Luiz Inácio Lula da
Silva, a banda mais "bicho solto"
do mesmo movimento, representada por Caetano Veloso, 60, gargareja o desprezo -ainda a política do ídolo velho J.L. Godard?-
pelos poderes constituídos.
De crença mais liberal, Caetano
demonstrou certa simpatia pelo
governo FHC. Na campanha eleitoral, manteve-se posicionado no
gelo baiano, sem maiores paixões.
Diz que aprecia mesmo é "política
subterrânea", a que resultou, por
exemplo, no "Bicho Baile Show",
tertúlia que promoveu, nos anos
70, com os rapazes da Black Rio.
A gravação do remelexo, encontrada por Charles Gavin nos porões da MPB, é a novidade do
"Todo Caetano 2002 ", caixa com
40 CDs embalados como se fossem mini-LPs. Os mais antigos reproduzem as capas e encartes dos
vinis originais. E os que nem saíram em vinil agora ganham ares
de antiguidade. Têm até aqueles
saquinhos foscos que protegiam
as bolachas.
No começo da noite de anteontem, na sede da gravadora Universal, na Barra da Tijuca, Rio, um
Caetano Veloso modesto -"a
gente se chateia da gente"- para
o seu padrão de pavonices concedeu entrevista à imprensa para falar sobre o lançamento. A seguir,
os principais trechos:
Gilberto Gil/Lula
Aceitou? [o cargo de ministro da
Cultura". Deve ser bom pra ele.
Ele foi pioneiro na campanha de
Lula, entrou desde o início da
campanha. Eu tô pensando em
entrar agora (risos). Isso aí nem
tenho acompanhado. Tem tantas
caixas de disco para falar. Não entendo desse negócio. Sinceramente eu tenho uma reação assim
de repulsa, uma vontade de me
afastar de tudo que seja ou pareça
poder oficial. É um negócio que
vem do meu pai. Falei tudo que
poderia falar, com essa ignorância e esse relativo desinteresse,
mas muito interessado tanto na
vida do país como na vida dele
(Gil). Eu disse que entendia o entusiasmo dele. Sempre gostei
muito de ele estar envolvido na
campanha desde cedo. E às vezes
tinha inveja de não estar também.
"Todo o Caetano", a caixa
A primeira pessoa que falou comigo foi o próprio Charles (Gavin, diretor do projeto). Gostei
muito porque quando a outra caixa saiu, tinha gostado muito de
ver tudo junto. Mas quando botei
para ouvir... eu não achei que
soasse muito bem. Não tenho
muita paciência para ouvir meus
discos, acho um trabalho penoso.
Acho aquele cara (ele mesmo)
chato. A gente se chateia da gente.
Show com Black Rio
Isso para mim é a coisa mais maravilhosa de tudo. O Charles descobriu essas gravações lá na Warner. Fiquei maravilhado pelo mero fato de haver um registro de
um acontecimento que para mim
é de tão grande importância. Eu
tinha muito orgulho de ter feito
esses shows com a banda Black
Rio. Foi um disco muito agredido
pela crítica... Eu tirei as cadeiras
do teatro Carlos Gomes para que
as pessoas pudessem dançar.
Queriam algo mais engajado. E eu
via que era uma coisa politicamente mais importante: o aparecimento do movimento Black
Rio, daquela vertente saiu o funk
carioca e toda a cena hip hop do
Brasil. Vem dessa experiência.
Outra coisa que teve muita importância nessa época foi uma visita que fiz à Africa, a convite do
Gil. Essa politica subterrânea me
excita muito.
Músicas restauradas
Tive mais curiosidade em ouvir
logo o disco "Uns" porque na outra caixa soava tão mal! Tem muitas coisas que viraram agora outra
coisa, nessa caixa. A música do
Péricles Cavalcanti virou outra
música. A música da Marina Lima, também, aquela "Bobagens,
Meu Filho, Bobagens". A voz com
o pessoal tocando, soa um pop
que parece gravado hoje.
Internacional Comunista
A censura implicava com umas
coisas e outras, nem notava, como
a Internacional Comunista que
botamos na música "Enquanto
Seu Lobo Não Vem".
Estética e cosmética
Penso muito no Glauber a cada
filme que se passa no Brasil. Mas
não penso nesses termos, na dualidade estética da fome x cosmética da fome, como propõem. É
empobrecedor. O buraco é mais
embaixo. Acho, por exemplo, que
há uma grande cosmética da fome em "Deus e o Diabo na Terra
do Sol", que é de outra natureza
-é um filme estilizado, espalhafatosamente estilizado...
O padrão Chico Buarque
O Chico tem um controle de qualidade que ele mantém sempre lá
em cima. E eu não. Eu acabo fazendo outras coisas, penso no
show, penso que sou cantor, penso que sou um personagem... Não
é na canção que está o produto final, é na composição dessas coisas todas. Não tem encheção de
linguiça, não tem coisa só pra
preencher o pedaço da música como nas minhas. Não tem rima
feia, não tem rima que não seja
plenamente justificada pela idéia
que está sendo enunciada. E nas
minhas têm. Tem erro de prosódia, de tudo, e eu deixo. Às vezes,
achando que aquilo é bacana. Às
vezes eu deixo como um negócio
sujo, às vezes deixo achando que é
ruim mesmo.
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