São Paulo, sexta, 19 de dezembro de 1997.




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Sylvio Back filma a poesia de Cruz e Souza

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

Cruz e Souza (1861-98), o poeta das "veladas, veladoras vozes", expoente do simbolismo e um dos fundadores da poesia moderna brasileira, vai virar filme.
O cineasta catarinense Sylvio Back roda em Florianópolis, a partir de fevereiro do ano que vem, o "docudrama" "Cruz e Souza, o Poeta do Desterro", média-metragem com 50 minutos de duração.
"O título do filme tem duplo sentido", disse o diretor em entrevista à Folha.
"Nossa Senhora do Desterro é o nome que Florianópolis tinha na época em que Cruz e Souza lá nasceu e viveu. Mas ele é o poeta do desterro também por sua condição de filho de escravos, excluído da sociedade e da cultura oficial."
Altivo e elegante
Sylvio Back ainda não escolheu o ator que vai encarnar o poeta na tela. "Procuro um ator que seja aquele negro arrogante, que não abaixa a cabeça", explica.
"Essa altivez tem de estar estampada no seu próprio rosto. Cruz e Souza era assim: altivo, elegante, bem vestido."
A mulher do poeta, Gavita, será interpretada pela atriz Maria Ceiça. "Além de ótima atriz, ela também canta. E o filme vai ter muita música, muitos versos cantados", explica Back.
Encenação e documentação
O diretor afirma que optou pela mistura de drama e documentário em função do desgaste que os dois formatos, isoladamente, têm apresentado.
"O documentário se banalizou, não tem mais força nenhuma", afirma o cineasta. "De outro lado, a ficção também está tão padronizada que os filmes parecem todos feitos pelo mesmo diretor. O formato do 'docudrama' é uma experiência que tem um efeito perturbador, que tira o espectador da mesmice."
Back não explica como será essa mistura em "Cruz e Souza". Só afirma que nele, ao contrário do que ocorria em seus últimos filmes -como "Rádio Auriverde" e "Yndio do Brasil"-, haverá a preponderância da encenação sobre a documentação.
"Não vai ter narrador nem entrevistas, pois isso virou um formato perverso e facilitário. Quero ver o Cruz e Souza por dentro, por meio dos poemas dele. Os diálogos vão ser tirados dos seus versos", diz o diretor.
Ano Cruz e Souza
"Cruz e Souza, o Poeta do Desterro" terá como co-produtora a TV Cultura, que não entrará com dinheiro mas já garantiu sua exibição, o que serviu como um aval para a captação de recursos via Lei do Mecenato.
O filme está orçado em R$ 500 mil e Sylvio Back pretende concluí-lo "o mais rápido possível", para aproveitar a agitação em torno do centenário de morte do poeta catarinense.
"O Ministério da Cultura já decidiu que, assim como 1997 foi o ano Castro Alves, 1998 será o ano Cruz e Souza."
De acordo com o cineasta, seu objetivo é "quebrar a mitologia em torno de Cruz e Souza, segundo a qual ele foi um preto de alma branca".
Para Back, o desconhecimento nacional da estatura de Cruz e Souza como poeta é fruto de dois preconceitos crônicos: contra os negros e contra a cultura do sul do país.
"Ele é um caso único, pelo toque inventivo de sua poesia, que mistura misticismo, dor física, dor moral, social, racial", afirma o cineasta.
Segundo Sylvio Back, Cruz e Souza, apesar de reconhecido como grande poeta, não foi aceito na Academia Brasileira de Letras, fundada um ano antes da morte do escritor.
Antes de filmar "Cruz e Souza", o cineasta deve finalizar o seu longa-metragem "Véu de Curitiba", que também mistura documento e ficção (poesia e prosa encenados) para retratar a capital paranaense.
Depois, parte para seu projeto mais ambicioso, o longa "Lost Zweig", co-produção internacional sobre os últimos dias do escritor austríaco Stefan Zweig, que se suicidou em Petrópolis, no ano de 1942.



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