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Vingança é fonte de inspiração em "Concebido com Maldade"
da Reportagem Local
Alguns dos
triângulos mostrados em
"Amor a Três"
curiosamente
também aparecem em "Concebido com Maldade", de Louise DeSalvo, que trata da vingança como origem da
obra literária -o que só vem a fortalecer o confronto entre a realidade e a "felicidade a três" proposta
pelos autores do primeiro.
O título, explica a autora, vem de
Anthony West, filho de Rebecca
West e H.G.Wells (de "A Guerra
dos Mundos"), que disse ter sido
"concebido com maldade" pela
mãe para tentar salvar o relacionamento entre os dois.
A partir da biografia dos envolvidos, DeSalvo mostra os ardis de
vários escritores para ocultar, sob
o nome de personagens fictícios,
seres de carne e osso -muitas vezes amigos ou amantes seus- que
desejam detratar até a destruição.
Como Ernest Hemingway, que
enfureceu tanto seu círculo de
amizades com "O Sol Também se
Levanta", a ponto de circularem
boatos em Paris de que planejavam uma desforra escrevendo um
livro que se chamaria "Six Characters in Search of an Autor -With a
Gun Apiece" (Seis Personagens em
Busca de Um Autor -Cada Um
Com Um Revólver).
Ou o retrato vingativo de Chopin
feito por sua amante Georges Sand
em "Lucrezia Floriani", onde ataca
o ciúme do músico travestido de
personagem (o príncipe Karol).
Sand ainda o ridiculariava mais:
forçava Chopin a fazer leituras públicas da obra.
DeSalvo teoriza que, na verdade,
em muitos casos, por mais cruel
que seja admitir, o sentimento
bem menos nobre da vingança em
detrimento da bela inspiração foi o
que motivou a escritura de muitas
obras-primas.
Ela se detém em quatro casos
exemplares: Leonard e Virginia
Woolf e a composição de "The Wise Virgins"; D.H.Lawrence e Ottoline Morrell e "Mulheres Apaixonadas"; Djuna Barnes e "The Antiphon"; e Henry e June Miller em
"Crazy Cock".
O círculo de Bloomsbury, que
reuniu vários artistas e escritores
ingleses a partir de 1905, parecia
ser, com seus costumes avançados
e sua revolta contra a repressão sexual da época, um lugar propício
tanto para o surgimento de triângulos ou quadriláteros amorosos
quanto para choques de egos que
resultavam em vingança.
Virginia Woolf, seu marido Leonard, e Ottoline Morrell faziam
parte desse círculo, assim como
Dora Carrington, Lytton Strachey,
Vanessa Bell, Duncan Grant,
Bunny Barnett (ver texto acima).
Quando escreveu seu romance
"The Wise Virgins", Leonard só
poupou Strachey, mais ligado a ele.
Virginia foi o alvo principal das
críticas do marido, desde suas cartas até seu jeito de falar e caminhar,
sem contar a fracassada lua-de-mel dos dois, leitmotiv do livro. A
escritora ficou deprimida ao ler o
manuscrito, mas os retratos que
fez dele em suas obras são sempre
"complexos e simpáticos, embora
às vezes mordazes e críticos".
O relato mais chocante trata da
escritora Djuna Barnes, vítima de
relações incestuosas quando
criança -era molestada sexualmente pelo próprio pai, irmãos e
pela avó- das quais se vingou escrevendo a peça "The Antiphon",
publicada em 58. Para ela, era "justiça, não vingança".
Mas sua personalidade, isso não
podia negar, era mesmo vingativa
-tanto que, segundo seu biógrafo, a arte da escrita, para ela, era como "uma execução sem sangue'".
Contra sua amante, Thelma
Wood, produziu um retrato devastador em "Nightwood".
As infidelidades de Thelma/Robin Vote no romance são expostas
ao ponto de Barnes colocar a
amante, em certo momento, curvada para ser sodomizada por um
cachorro. Thelma ficou tão furiosa
ao ler o manuscrito que atirou uma
xícara de chá em Djuna e lhe deu
uma bofetada. Esperou pelo pedido de desculpas, mas elas nunca
vieram.
(CM)
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