São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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Vingança é fonte de inspiração em "Concebido com Maldade"

da Reportagem Local


Alguns dos triângulos mostrados em "Amor a Três" curiosamente também aparecem em "Concebido com Maldade", de Louise DeSalvo, que trata da vingança como origem da obra literária -o que só vem a fortalecer o confronto entre a realidade e a "felicidade a três" proposta pelos autores do primeiro.
O título, explica a autora, vem de Anthony West, filho de Rebecca West e H.G.Wells (de "A Guerra dos Mundos"), que disse ter sido "concebido com maldade" pela mãe para tentar salvar o relacionamento entre os dois.
A partir da biografia dos envolvidos, DeSalvo mostra os ardis de vários escritores para ocultar, sob o nome de personagens fictícios, seres de carne e osso -muitas vezes amigos ou amantes seus- que desejam detratar até a destruição.
Como Ernest Hemingway, que enfureceu tanto seu círculo de amizades com "O Sol Também se Levanta", a ponto de circularem boatos em Paris de que planejavam uma desforra escrevendo um livro que se chamaria "Six Characters in Search of an Autor -With a Gun Apiece" (Seis Personagens em Busca de Um Autor -Cada Um Com Um Revólver).
Ou o retrato vingativo de Chopin feito por sua amante Georges Sand em "Lucrezia Floriani", onde ataca o ciúme do músico travestido de personagem (o príncipe Karol). Sand ainda o ridiculariava mais: forçava Chopin a fazer leituras públicas da obra.
DeSalvo teoriza que, na verdade, em muitos casos, por mais cruel que seja admitir, o sentimento bem menos nobre da vingança em detrimento da bela inspiração foi o que motivou a escritura de muitas obras-primas.
Ela se detém em quatro casos exemplares: Leonard e Virginia Woolf e a composição de "The Wise Virgins"; D.H.Lawrence e Ottoline Morrell e "Mulheres Apaixonadas"; Djuna Barnes e "The Antiphon"; e Henry e June Miller em "Crazy Cock".
O círculo de Bloomsbury, que reuniu vários artistas e escritores ingleses a partir de 1905, parecia ser, com seus costumes avançados e sua revolta contra a repressão sexual da época, um lugar propício tanto para o surgimento de triângulos ou quadriláteros amorosos quanto para choques de egos que resultavam em vingança.
Virginia Woolf, seu marido Leonard, e Ottoline Morrell faziam parte desse círculo, assim como Dora Carrington, Lytton Strachey, Vanessa Bell, Duncan Grant, Bunny Barnett (ver texto acima).
Quando escreveu seu romance "The Wise Virgins", Leonard só poupou Strachey, mais ligado a ele. Virginia foi o alvo principal das críticas do marido, desde suas cartas até seu jeito de falar e caminhar, sem contar a fracassada lua-de-mel dos dois, leitmotiv do livro. A escritora ficou deprimida ao ler o manuscrito, mas os retratos que fez dele em suas obras são sempre "complexos e simpáticos, embora às vezes mordazes e críticos".
O relato mais chocante trata da escritora Djuna Barnes, vítima de relações incestuosas quando criança -era molestada sexualmente pelo próprio pai, irmãos e pela avó- das quais se vingou escrevendo a peça "The Antiphon", publicada em 58. Para ela, era "justiça, não vingança".
Mas sua personalidade, isso não podia negar, era mesmo vingativa -tanto que, segundo seu biógrafo, a arte da escrita, para ela, era como "uma execução sem sangue'". Contra sua amante, Thelma Wood, produziu um retrato devastador em "Nightwood".
As infidelidades de Thelma/Robin Vote no romance são expostas ao ponto de Barnes colocar a amante, em certo momento, curvada para ser sodomizada por um cachorro. Thelma ficou tão furiosa ao ler o manuscrito que atirou uma xícara de chá em Djuna e lhe deu uma bofetada. Esperou pelo pedido de desculpas, mas elas nunca vieram. (CM)




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