São Paulo, sábado, 19 de dezembro de 1998

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LITERATURA
Livro do motorista de ônibus, candidato derrotado ao Booker Prize que passa férias no Brasil, sai no país em 99
Mills aguarda prêmio e se perde no Rio

ANNA LEE
da Sucursal do Rio

Sentado à beira da piscina do hotel Méridien, tendo à sua frente a visão total da praia de Copacabana, num dia claro e quente de quase verão carioca, o motorista de ônibus inglês Magnus Mills faz uma constatação inevitável.
Seus amigos estavam certos quando disseram que a indicação de seu primeiro livro, "The Restraint of Beasts" (A Restrição das Bestas), para o Booker Prize, o maior prêmio literário do Reino Unido, viria acompanhada de um passe para uma vida melhor.
"Muito melhor. Muitas coisas aconteceram desde então."
Inclusive poder dizer que, hoje, mesmo sem ter conquistado o Booker Prize, é um escritor que, às vezes, dirige ônibus, "por pura terapia ocupacional".
Pode tirar folga quando quer, tanto é que está de férias no Rio, realizando um desejo de sua mulher. "Ela adora viajar. Quando sugeriu que viéssemos para cá, pensei, por que não?"
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Linguagem expressa
Lançado em setembro do ano passado pela editora inglesa Flamingo, "The Restraint of Beasts" está na sétima edição e já vendeu 30 mil cópias só no Reino Unido, depois de ter conseguido arrancar elogios de vários críticos ingleses.
O sucesso, Mills atribui à "maneira simples e direta" como escreve, com "certa dose de humor".
"The Restraint of Beasts" também foi editado nos Estados Unidos e, para o ano que vem, tem lançamento programado para pelo menos 12 países, entre eles, Holanda, França, Itália, Dinamarca e Noruega.
No Brasil, a Geração Editorial pagou US$ 4.500 e ganhou o direito de editar o livro, que já está sendo traduzido e deve chegar às livrarias entre abril e maio.
Ano que vem, a história de Tam e Richie, dois construtores de cercas rurais que deixam assassinato e caos nos lugares onde trabalham, também deve virar filme.
Ainda em 1999, com "The Restraint of Beasts", Mills pretende ganhar o Whitbread Prize -prêmio concedido anualmente pela associação dos livreiros do Reino Unido-, para o qual está concorrendo com mais cinco romancistas e cujo vencedor deve ser anunciado no dia 13 de janeiro.
Ele diz que será uma forma de "superar a decepção por não ter conquistado o Booker Prize" e uma maneira de vender mais livros.
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Pé na tábua

Por enquanto, de prático, explica Mills, o sucesso de "The Restraint of Beasts" tem significado ganhar por dia 200 libras (cerca de R$ 400), o mesmo que recebia por uma semana de trabalho como motorista.
"Meu rendimento vai aumentar ainda mais quando o livro for lançado em vários países. Vou conseguir comprar uma casa bem grande em Brixton (bairro na periferia de Londres, local em que mora e onde fica a garagem da empresa de ônibus em que trabalha)", disse Mills, ressaltando que não escreve "pensando no dinheiro que vai ganhar".
Escreve? "Sim. Já estou com meu segundo livro pronto, "All Quiet on the Orient Express" (Todos Quietos no Expresso do Oriente), que deve ser lançado em outubro do próximo ano", diz.
"Melhorei muito minha performance. Levei dois anos e meio para escrever "The Restraint of Beasts', desta vez gastei apenas cinco meses."
O novo livro de Mills fala sobre um homem que acidentalmente derrama uma lata de tinta e com isso se condena à morte.
"Parece sem sentido? Mas garanto que não é."
Suas idéias são retiradas das situações de seu dia-a-dia como motorista?
"Tenho 44 anos. Tudo que já vi e vivi de certa forma serve como inspiração, não só especificamente as pessoas que observo durante o meu trabalho. Até porque quando estou dirigindo olho apenas para as rodovias."
Faz sentido. Antes de se tornar motorista, há 12 anos, Mills trabalhou como construtor de cercas em fazendas por seis anos, assim como os personagens de "The Restraint of Beasts".
Tudo isso depois de ter deixado sua cidade natal, Wolverhampton, há 20 anos, onde também tinha outro nome, Andrew Mills.
Contou que ganhou o nome de Magnus por causa de um personagem da TV chamado Magnus Magnusson, com o qual seus amigos o achavam parecido.
"Para escrever sobre uma situação, é preciso esperar o tempo passar, tem de haver um certo distanciamento. Quem sabe um dia vou escrever sobre o Rio?"
Histórias, já tem para contar. Quis conhecer Parati (litoral sul do Rio), alugou um carro, mas não conseguiu chegar. Ficou perdido na avenida Brasil, um dos caminhos de saída do Rio.
Resolveu voltar para o hotel e adiar a viagem para a próxima semana, antes do Natal, quando pretende voltar para Londres.
"Não me senti muito à vontade dirigindo aqui. É tudo muito diferente. Além disso estou acostumado a dirigir ônibus, não carros", completa.



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