São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

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CINEMA

"As Loucuras de Dick e Jane", refilmagem de "Adivinhe Quem Vem para Roubar", atualiza crítica aos Estados Unidos

Dos dilemas de Jim Carrey nasce a graça

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Se você não pode derrotar seus inimigos, diz o clichê, una-se a eles. Os de Jim Carrey são seu público, os críticos e ele próprio. Os primeiros não dão bilheteria a seus filmes sérios. Os segundos não o elogiam em tais longas. E isso o impede de ganhar prêmios como o Oscar, seu sonho.
E Jim Carrey retroalimenta a máquina, fazendo comédias cada vez mais engraçadas. É o caso de "As Loucuras de Dick e Jane" ("Fun With Dick And Jane"), refilmagem da sátira política "Adivinhe Quem Vem para Roubar", de 1977, com George Seagall e Jane Fonda, que estréia hoje.
Se o original criticava o Sonho Americano ao mostrar um casal que subitamente é excluído da classe média e tem de recorrer a assaltos para manter o estilo de vida, o de hoje atualiza a história para a crise da América Corporativa, que começou na virada do século, com a série de escândalos de grandes empresas que abusavam da chamada "contabilidade criativa", encabeçadas pela Enron.
Dick (Carrey) é um funcionário de terceiro escalão transformado à revelia em laranja do CEO inescrupuloso Jack (Alec Baldwin, excelente), que desaparece com a bolada e deixa o pepino nas mãos do ex-subordinado. Desempregado e sem dinheiro, ele convence a mulher, Jane (Téa Leoni, hilariante), que o remédio é cair no crime.
Para falar sobre esse e outros assuntos, o comediante canadense de 44 anos, o mais bem-pago de Hollywood (US$ 25 milhões é seu cachê mais alto), recebeu a Folha em sua suíte no hotel Waldorf-Astoria, em Nova York, para uma entrevista exclusiva.

 

Folha - Você acha que a corrupção no mundo corporativo norte-americano terminou ou pelo menos diminuiu com a onda de denúncias e algumas prisões dos últimos anos?
Jim Carrey -
Não só não acho como tenho certeza de que não diminuiu. A diferença é que agora nós estamos mais atentos e sabendo de mais casos. Mas, nesse momento, aqui nesse prédio, tem alguém fazendo "contabilidade corporativa". É um mal que se instalou no país e que a atual administração federal só estimula.

Folha - Seu filme é uma crítica bem-humorada a tudo isso. Você acha que o público médio vai perceber a mensagem ou estará distraído rindo de suas graças?
Carrey -
Pode estar rindo de minhas graças, e é bom que ria, mas a mensagem estará lá, em algum lugar do cérebro do espectador.

Folha - Você desistiu dos filmes sérios como "Majestic" (2001)?
Carrey -
Na verdade, eles desistiram de mim. Digo isso porque recebo cada vez mais scripts muito bons de filmes cômicos e cada vez menos de dramas com a mesma qualidade. Mas não desisti, não. E, se você pensar bem, "O Show de Truman" e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" unem os dois, têm graça mas têm drama. E conteúdo. Eis um caminho.

Folha - Você poderia chamar um diretor brasileiro. Eles são sérios...
Carrey -
Conheço alguns. Mas sou um ignorante do cinema que é feito em seu país. De qualquer maneira, quando eu era adolescente, tinha de fazer um trabalho de fim de ano sobre alguma cidade do mundo. Escolhi o Rio de Janeiro. Montei um mapa da cidade em que os principais monumentos saltam quando você abre. Ou seja, quando eu for visitá-los, ao menos não vou me perder [risos].

Folha - Voltando a "As Loucuras", é um de seus filmes mais físicos, lembra por exemplo o Fletcher Reede de "O Mentiroso" (97). Quanto do que aparece na tela estava no roteiro e quanto é você?
Carrey -
A maior parte estava escrita, mas tenho muita liberdade para improvisar. Gosto de testar as cenas com a própria equipe. Se eles estão rindo, é provável que a platéia ria também.

Folha - Você fantasiado de Cher, por exemplo, estava escrito?
Carrey -
Na verdade, não. Exigi em contrato porque tenho essa fantasia secreta de me vestir de mulher (risos). Falando sério, este é um exemplo de como os filmes que aceito fazer são maleáveis. O roteiro previa que eu me vestisse de Sonny [Bono, 1935-1998, ex-marido de Cher, com quem ela fazia dupla musical, e ex-congressista republicano] e que Téa Leoni se vestisse de Cher, na fase anos 70 deles, num dos assaltos que nós fazemos fantasiados. Eu só achei que ficaria mais engraçado se invertêssemos as fantasias...

Folha - O que você vai fazer agora?
Carrey -
Dar outra entrevista [risos]. Falando sério, ainda não sei.


O jornalista Sérgio Dávila teve parte de suas despesas paga pela Sony

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