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Elvis, o mito, ganha mais 658 páginas
RICHARD WILLIAMS
do "Independent"
No dia 30 de outubro de 1976,
com menos de um ano de vida pela
frente, Elvis Presley, aos 41 anos,
entrou num estúdio de gravação
pela última vez. A verdade, porém,
não foi bem assim.
Como o cantor já não sentia interesse suficiente em seu próprio
trabalho para fazer a viagem (curta) até os estúdios de Memphis ou
Nashville de onde saíram seus
grandes sucessos, a gravadora, em
desespero, enviou os equipamentos necessários até sua mansão,
Graceland, onde foram montados
numa sala conhecida como Jungle
Room (sala da selva).
A carreira de Elvis já estava reduzida a pouco mais do que uma sequência de turnês comerciais organizadas para subsidiar uma microeconomia devastada por hábitos caros: não apenas a compulsão
de gastar do próprio Elvis, mas
também os desmandos de seu empresário, viciado em jogos de azar.
A música com a qual Presley conquistara fama e fortuna e ajudara a
criar uma nova cultura popular
agora mal conseguia despertá-lo
do torpor provocado por suas extravagâncias farmacológicas.
A sessão foi um desastre. No segundo e último volume de sua biografia definitiva de Elvis Presley,
Peter Guralnick descreve como Elvis adiou sua chegada ao "estúdio"
até os músicos chegarem ao ponto
de se rebelar.
Depois de gravar uma canção,
perdeu interesse pelo trabalho ao
ser avisado da chegada de um carregamento de motos.
Um pouco mais tarde, retornou à
Jungle Room com uma metralhadora na mão. Dizendo a seus assistentes que não estava no estado de
espírito certo para cantar, mandou
todos para casa.
Ou seja, foi um episódio tipicamente bizarro e lamentável da última fase da vida de um dos maiores
ícones do rock.
Mas o que sobreviveu daquele
dia, deixando de lado mais uma
anedota, é a canção gravada, uma
versão de quatro minutos e meio
de "He'll Have to Go", um sucesso
antigo de Jim Reeves.
Diante de um arranjo sóbrio,
com guitarra eloquente e coro discreto, Elvis canta a balada tristonha com sobriedade emocional,
tom firme, fraseado meticuloso,
um comando belíssimo dos vibratos e o ar geral de um homem que
vive a melhor fase de sua vida.
Seria impossível estar mais distante da caricatura do Elvis inchado e gordo em Las Vegas -e, como suas versões de "Promised
Land", de Chuck Berry, "Tomorrow is a Long Time", de Dylan, e
um velho lado B de Bing Crosby
chamado "Beyond the Reef", a
gravação deita por terra a idéia
amplamente difundida de que a
produção de Elvis depois de sua
saída do Exército foi totalmente
destituída de valor.
O autor enxerga a verdade inerente à aparente contradição entre
o comportamento grosseiro de Elvis e a beleza de sua música. Guralnick não santifica seu objeto, mas
tampouco o massacra; conta sua
história da maneira mais justa e escrupulosa possível.
Sua disposição de apresentar e
pesar as evidências, recorrendo às
extensas entrevistas que ele próprio conduziu e a uma cuidadosa
seleção de materiais vindos de fontes publicadas anteriormente, possibilita ao leitor tirar suas próprias
conclusões.
Ann-Margret|
Assim, o charme e a generosidade de Elvis são contrapostos ao nepotismo que praticava e a seu hábito de manipular as muitas mulheres com quem se relacionou. O livro traz novos depoimentos de diversas namoradas do cantor e integrantes da máfia de Memphis.
Ao lado da grotesca autogratificação (possivelmente induzida pelo sargento que o iniciou no consumo de anfetaminas, durante manobras do Exército na Alemanha)
e da auto-indulgência desvairada
(fica claro que a decadência da indústria automobilística de Detroit
foi causada não pela importação
irrestrita de carros japoneses, mas
pela morte de Elvis, que pôs fim à
aquisição atacadista de Pontiacs,
Lincolns e Cadillacs), figuram as
oportunidades perdidas em sua vida, como um romance com Ann-Margret, com quem estrelou "Viva
Las Vegas" e cuja inteligência poderia haver sido sua salvação.
Em lugar dela, Elvis se casou com
Priscilla Beaulieu, uma adolescente de personalidade ainda informe
e fisicamente parecida com ele.
Somos apresentados ao empresário de Elvis, o auto-inventado
coronel Parker, cuja cobiça implacável e recusa míope em preocupar-se com a qualidade do produto levou diretamente à erosão da
ética de trabalho de Elvis, antes rigorosa.
O artista rigorosamente autocrítico que, em 1956, fez questão de
gravar "Hound Dog" 31 vezes até
optar pela versão melhor, em 1972
havia decaído a ponto de seu baterista, Jerry Carrigan, afirmar que
ele se contentava com qualquer
coisa. Quando Parker finalmente
percebeu no que dera sua estratégia, já era tarde demais.
Mas a análise que Guralnick faz
do pragmatismo instintivo do coronel, muitas vezes brilhante, também nos permite vislumbrar as razões que podem ter levado Elvis a
concordar com uma divisão meio
a meio com seu empresário e, depois, com a decisão aparentemente
maluca de vender à gravadora os
direitos de seu catálogo inteiro de
sucessos passados pela soma única
de US$ 5,4 milhões, em 1973. Com
isso, Parker, graças a diversos bônus e honorários de consultoria,
conseguiu abocanhar a parte do
leão do valor bruto.
E vemos Presley, com sua tendência a absorver-se em si mesmo,
incentivada pela mãe e reforçada
por seu público, tropeçar nas baixezas da exploração espiritual, extasiado com Khalil Gibran Khalil e
Madame Blavatsky, dopado com
Tuinal, Dexamyl, Placidyl e Dilaudid, experimentando LSD, em parte à procura de alguém a quem reverenciar e em parte convencido
da própria divindade.
Rodapés
Há cinco anos, quando fiz a resenha do primeiro volume, "Last
Train to Memphis", nestas páginas, expressei (entre muitos comentários elogiosos) algumas reservas em relação à quantidade de
detalhes circunstanciais que Guralnick oferecia, abrangendo desde o nascimento de Elvis, em 1935,
até seu alistamento no Exército
americano, em 1958, no auge de
sua popularidade.
Com 658 páginas, "Careless Love" é quase 50% mais longo do que
o primeiro volume e possui quase
duas vezes mais notas de rodapé.
Perto do final, ao analisar o videoteipe de um show de Elvis em
1977, Guralnick resume o destino
lamentável do artista num parágrafo de profunda ressonância:
"Ele dá a impressão de um homem
que grita por socorro, mas sabe
que ninguém virá em sua ajuda. E,
mesmo hoje, mais de 20 anos depois, ainda é quase insuportável
ouvir ou assistir ao apagar não
apenas da beleza, mas da própria
memória da beleza, e ver seu lugar
ser tomado pelo horror nu e cru".
Homérico nos contrastes que traça
entre a beleza e a loucura, esta é
uma obra monumental.
Tradução de
Clara Allain
Livro: Careless Love: The Unmaking of Elvis
Presley
Autor: Peter Guralnick
Lançamento: Little Brown
Quanto: US$ 27,95 (658 págs.)
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