São Paulo, Sábado, 20 de Fevereiro de 1999
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FOTOGRAFIA
Madri reúne trabalhos realizados no México que revelam como os dois artistas, apesar do romance, caminharam por caminhos opostos
Modotti e Weston contrapõem social ao estético

CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Madri

O fotógrafo norte-americano Edward Weston conheceu a italiana Tina Modotti em 1921. Ambos casados, tiveram uma paixão fulminante, que os levou ao México dois anos depois.
É sobre a relação entre os dois, mas principalmente sobre a maneira absolutamente pessoal que cada um dos dois desenvolveu sua carreira fotográfica e sua relação com o México, que trata a exposição "Modotti y Weston: Mexicanidad", que a Casa das Américas (paseo de Recoletos, 2, Madri) exibe até o dia 7 de março.
Naquela época, o México não era um destino exótico. O país atravessava um período de florescimento político e cultural, que estimulava muito a produção artística.
Sob o governo liberal de Álvaro Obrerón -que promoveu a reforma agrária, apoiou os agricultores e desenvolveu a produção artística-, o México atravessou um período de efervescência cultural, conhecido como "Renascença Mexicana".
Mas apesar de dividirem alguns ideais, a produção estética dos dois tomou caminhos distintos.
Edward Weston (1886-1958) preferia paisagens em que predominavam os contrastes, os jogos de luz e sombras, os campos geométricos.
Essas características deslocavam o olhar do espectador do real objeto fotografado, que poderia ser uma formação arquitetônica, as montanhas ou mesmo as nuvens que pairam no céu.
Weston se interessava ainda pelas imagens produzidas em estúdio, em que vigoravam a força da composição, o rigor, o ordenamento calculado, como nas composições com jogos infantis ou nas séries com as costas nuas da escritora Anita Brenner ou com as formas e ângulos de vasos sanitários.
Já as fotos de Tina Modotti (1896-1942) são impregnadas de mensagens políticas e sociais, que as tornaram símbolos da luta contra as desigualdades.
Por mais humildes que pareçam, seus trabalhadores (homens, mulheres e crianças) preservam sempre uma dignidade.
Modotti descobriu com sua câmera aquilo que os mexicanos sabiam há séculos, que eram os herdeiros dos deuses. Não é à toa que, não longe da capital mexicana, se ergueu a cidade de Teotihuacán ("o lugar onde os homens se tornaram deuses").
No mesmo ano em que chegaram ao país (1923), Weston realizou uma fotografia da pirâmide do Sol, em Teotihuacán, em que já demonstrava sua preocupação maior com os planos que com o objeto do trabalho em si.
Mas Weston não se ateve, porém, apenas aos exercícios estilísticos. Realizou séries sobre jogos infantis e sobre bares populares mexicanos ("pulquerias").
Em 1929, Modotti realizou uma série de fotografias nas cidades de Juchitán e Tehuantepec (em Oaxaca, no sul do México), em que priorizou a dignidade com que as mulheres executavam seus afazeres domésticos em uma sociedade de forte caráter matriarcal.
Era possível prever que a fotografia, para Modotti, era apenas mais um instrumento para a sua militância comunista, que nada tinha a ver com ideais estéticos de composição.
Realizou apenas cerca de 400 imagens em não mais que oito anos, até 1930.
Caiu de amores pela possibilidade de uma revolução comunista popular e por três de seus militantes: Julio Antonio Mella, Xavier Guerrero e Vittorio Vidali.
Sobre o porquê de abandonar a promissora carreira fotográfica em favor da militância, um dia Modotti escreveu: "Eu não posso resolver o problema da vida me perdendo no problema da arte".


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