São Paulo, Sábado, 20 de Fevereiro de 1999
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Maffesoli desiste de explicar a sociedade

Folha Imagem HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Reportagem Local

Por um longo período, os sociólogos tentaram explicar a sociedade. O francês Michel Maffesoli (leia entrevista abaixo), 54, desistiu.
As preocupações desse professor da Sorbonne, diretor da revista "Sociétés" e do Centro de Estudos sobre o Atual e o Quotidiano, manifestas em "Elogio da Razão Sensível", recém-lançado pela Vozes, são "compreender a vida social" e buscar um meio para isso. Na terça-feira, Maffesoli participa de debate na Escola de Comunicações e Artes da USP, em SP, às 16h.
Para o francês, o racionalismo que busca relações de causa e efeito na sociedade tornou-se um "objeto de um ato de fé, com todas as estreitezas do espírito inerentes à crença". Propõe, em seu lugar, a adoção de uma "razão aberta". Como é obrigado a reconhecer mais à frente, "se a coisa é fácil de dizer, é bem mais difícil de aplicar".
Maffesoli tem horror ao conceito, esse "tijolo" do pensamento racional. Prefere o que chama de miniconceito. O resultado prático é a adoção de uma série de neologismos para defender a sociologia a que quer chegar: busca aplicar o "raciovitalismo" (razão e vitalismo) para compreender e "formismo", ou seja, a organização social vista a partir do "cimento", do que liga, e não do conteúdo.
Para o Maffesoli, vivemos num tempo de mudança -daí a necessidade desse manifesto que é o "Elogio". As mudanças que ele vê, no entanto, podem ser mais bem compreendidas em "O Tempo das Tribos - O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa", agora na segunda edição.
Nesse livro, cuja primeira edição no Brasil é de 1987, o sociólogo francês defende que "há um declínio das grandes estruturas institucionais e ativistas -dos partidos políticos, como mediação necessária, ao proletariado, como sujeito histórico". Em contrapartida, passaríamos por um período de desenvolvimento daquilo que se pode chamar, de maneira bastante genérica, as comunidades de base.
Maffesoli emprega o termo "pós-modernidade" para definir esse mundo atual, inscrevendo num movimento popularizado nos anos 80. Para ele, vivemos numa época em que se organizam novas formas de "socialidade", por meio de um novo tribalismo. A barbárie chegou, está dentro de nós, diz Maffesoli.
Uma figura cara ao sociólogo é o das primeiras comunidades católicas, que se organizariam em pequenos grupos, independentes, mas que mantinham um relacionamento emocional (ou "afetual", usando um de seus neologismos) em uma espécie de rede.
Nesse novo período, a estética, a forma dessa agregação, seria mais importante que o conteúdo, ou sua ética. Assim, se imporia uma sociologia adepta do relativismo e de um método próximo (mas mais radical) ao do tipo ideal proposto pelo alemão Max Weber (1864-1920), autor de a "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo".
Mas, ao contrário do observado por Weber, Maffesoli crê que passamos por um processo de "reencantamento do mundo", associado a uma retomada do pluralismo.
Essa visão, no entanto, não passa, em nenhum momento, por uma análise rigorosa. Por opção, Maffesoli abandona o uso de métodos sociológicos, em troca de uma valorização da sensibilidade.
O resultado é que, no meio de tantos miniconceitos, encontramos, perdidas, algumas boas percepções sobre a atualidade. Elas, no entanto, não conduzem nunca a uma conclusão ou ao menos a um painel que dê conta da complexidade que ele próprio anuncia.
Com sua "sensibilidade", Maffesoli deixa o sentido dado à ciência pela razão. Afirma que não deseja o irracional, mas o "não-racional". Maffesoli não sabe aonde quer chegar. A consequência disso necessariamente é que pouco lhe importa o caminho que vai pegar.

Livro: Elogio da Razão Sensível
Lançamento: Vozes
Preço: R$ 19,50
Livro: O Tempo das Tribos - O Declínio do Individualismo nas Sociedades de Massa"
Lançamento: Forense Universitária (2ª ed.)
Preço: R$ 25,00

Debate: A Transfiguração do Político
Com: Michel Maffesoli, Renato Janine Ribeiro, Edgar de Assis Carvalho e Clóvis de Barros Filho
Quando: dia 23/2, terça-feira
Onde: Auditório Lupe Cotrim - ECA-USP (av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio central)



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