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ARTIGO
Arte é arte, popular ou erudita
GERALDO EDSON DE ANDRADE
especial para a Folha
O que mais surpreende no capítulo da arte naïf no Brasil é o pouco espaço que os críticos lhe concedem, muitas vezes relegando-a
a um nível inferior.
Preferem exaltar qualidades
inusitadas na chamada arte erudita, obviamente porque já chega ao
nosso circuito sob aclamação internacional. Nossos críticos pecam por transmitir ao leitor apenas uma faceta da arte brasileira,
quando sabemos que ela é, na essência, pluralista. Queiram ou
não, a arte naïf, como se costuma
definir a criação popular, tem o
seu lugar garantido.
Preconceitos à parte, ela se identifica com o público pela sua autenticidade nacional, por isso
mesmo com trânsito internacional. Fala a muitos e não somente a
uma meia dúzia de eruditos ditadores de linguagens que nos vêm
da matriz.
Arte naïf tem seu valor, sim, e
muito. É a arte da espontaneidade, da criatividade autêntica, do
fazer artístico sem escola nem
orientação, porquanto é instintiva e onde o artista expande seu
universo particular. Claro que,
como numa arte mais intelectualizada, existem os realmente marcantes e outros nem tantos. Mas é
justamente por isso que precisa
de acompanhamento crítico, para
que não proliferem ingênuos nem
tampouco aproveitadores de sua
estética espontânea.
Elevada à linguagem de arte pelo francês Rousseau a partir de
1908, teve, no Brasil, o pioneirismo de Cardosinho (1861-1947),
com suas fantasias beirando o
surreal, copiadas de cartões-postais, que foram acolhidas por nomes como Portinari e o nipo-francês Fujita, então passando
temporada entre nós. Mas foi
com a premiação de Heitor dos
Prazeres (1898-1966), humilde
contínuo do então Ministério da
Educação, na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, que
a pintura dita naïf brasileira teve
seu momento de afirmação, com
uma pintura mesclada de sambistas e pastoras, o mundo do samba, enfim, que ele, também compositor popular, inclusive como
parceiro de Noel Rosa, conhecia
como ninguém. Mais tarde seria
seguido pelo genial Pedro Paulo
Leal (1894-1968), com suas dramáticas cenas de naufrágio na
baía de Guanabara, e o talentoso
Chico da Silva (1910-1985), com
suas cenas amazonenses enfocando peixes, flora e animais aquáticos, que, inclusive, lhe valeram
uma Menção Honrosa na 33ª Bienal Internacional de Veneza. Hoje, eles estão pelo país afora, como
Poteiro, Aparecida Azevedo, Ivonaldo, Waldomiro de Deus, Gerson, Rosina Becker do Valle, Vatenor... Alguém entende o que
eles dizem, ou simplesmente não
querem, por se tratar de arte marginalizada?
Desconcertante, pois, é ver que
toda uma produção de real valor
não merece uma linha sequer nos
jornais, enquanto muita empulhação, como as indefectíveis instalações e conceituações, ocupam
os espaços nobres de bienais e salões oficiais, numa distorção que,
no fundo, pouco contribui para o
conhecimento de nossa arte como um todo.
Geraldo Edson de Andrade é crítico de arte, professor de História da Arte da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e autor
do livro ""A Arte Naïf no Brasil" (Empresa das
Artes, 1998)
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