São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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Geena pula, mata e estrangula em "Despertar..."

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Tivesse eu alguma informação preliminar, teria ido assistir a "Despertar de um Pesadelo" ("The Long Kiss Goodnight"), que estréia hoje em São Paulo, com um desses estatísticos do DataFolha que tabulam passes, desarmes, cabeceios, etc. dos jogadores de futebol. Assim, talvez pudesse relatar aqui, com precisão, quantos inimigos Geena Davis ("Thelma e Louise") aniquila no filme e, melhor, de que maneira.
Estrangulamentos, se não me falha a memória, são três -o da rena incluído.
No filme, que estreou nos EUA há quase dois anos, Davis interpreta a professorinha Samantha, nova encarnação de uma super agente de espionagem. Todos consideravam-na morta, mas Samantha, ou melhor, Charly Baltimore, resistiu, sobrevindo apenas uma amnésia parcial.
O incidente com a rena começa a devolver Samantha a Charly, fato que irá se realizar plenamente quando a agente, de volta ao front, susta uma tentativa de atentado promovida por seus antigos superiores -a executiva da CIA- que poderia tirar a vida de 4 mil pacatos cidadãos e demandaria o uso de armas químicas.
Muito bem, a linha mestra do filme se estrutura na tomada gradativa de Samantha por Charly, mas não há aí qualquer interesse psicanalítico. O roteirista Shane Black (de "Máquina Mortífera"), que teria levado US$ 3 milhões pelo serviço, e o marido de Geena Davis e também diretor do filme, Renny Harlin, vão direto ao ponto: o que interessa é mostrar a heroína a matar alvos em helicópteros, carros, estáticos, etc., estando ela sobre patins, numa espécie de pau-de-arara aquático ou sendo içada por uma fiação elétrica.
Como filme de ação, e não há qualquer possibilidade de analisá-lo sob outro escopo, o produto é quase irretocável: além das situações relatadas no parágrafo anterior, há perseguições de várias espécies, multidões em perigo, proficiência em manuseio de facas e revólveres, escapadas por entre janelas altas de vidro, mergulhos em lagos gelados e uma fuga impossível de câmara frigorífica com auxílio de uma boneca de plástico.
Formalmente, Harlin ainda injetou toques de cinema "blackexplotation" (em voga com o novo Tarantino) ao escalar o negro Samuel Jackson como Mitch -o detetive pé-de-chinelo parceiro de Davis-, colocar clássicos da Motown na trilha e usar figurinos que poderiam ter vestido Marvin Gaye passeando em Detroit no inverno.
Claro que tais elementos se subordinam à saraivada de balas, saltos espetaculares e uma ligeira nudez da gostosona, mas o diretor pode ter até imaginado que essas informações alçariam seu filme a um lugar próximo dos de violência estilizada de Tarantino e Stone. É uma suposição. Para mim, a experiência de ver "Despertar" é como a de jogar paint-ball. Alguém trouxe a águaraz?

Filme: Despertar de um Pesadelo Direção: Renny Harlin Produção: EUA (96) Elenco: Geena Davis, Samuel Jackson, Craig Bierko
Onde: cines Gazeta, Aricanduva 3, Marabá e circuito


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