São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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García Lorca merecia mais que "Lorca"

da Equipe de Articulistas

Este ano comemora-se o centenário de nascimento do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Aproveitando a efeméride, chega às telas a produção norte-americana "Lorca", dirigida pelo porto-riquenho Marcos Zurinaga.
Não se trata de uma cinebiografia do escritor andaluz, mas de uma investigação sobre as circunstâncias de seu assassinato, pelos franquistas, no início da Guerra Civil Espanhola, em 19 de agosto de 1936.
O filme é narrado em dois tempos. Começa com os últimos dias do poeta (Andy Garcia), vistos pelos olhos de um garoto de Granada, Ricardo, e salta para 1954, quando Ricardo (Esai Morales), já adulto, volta de Porto Rico à Espanha para investigar a morte de Lorca.
A partir daí, em sucessivos flashbacks, Ricardo vai montando e remontando os últimos dias do poeta, de acordo com os depoimentos que colhe de testemunhas dos acontecimentos.
Ao mesmo tempo, sofre pressões da polícia e de "forças ocultas" que não querem ver remexidos os fatos do incômodo "affaire" García Lorca.
A história é parcialmente baseada no livro "A Morte de García Lorca", do historiador irlandês Ian Gibson, co-roteirista do filme. O próprio personagem de Ricardo é vagamente inspirado em Gibson.
Mas a verdade é que, com o aparente objetivo de tornar ainda mais dramático e espetacular o destino do poeta, o filme acabou por esvaziar sua morte de todo o sentido político e moral.
À pergunta "quem matou Lorca?" -prenhe de possíveis respostas simbólicas como a direita, a barbárie, o moralismo e a Espanha arcaica-, o diretor Zurinaga resolveu dar uma interpretação literal.
Seu filme resulta, assim, num "whodunit" em que tudo se resume a saber quem puxou o gatilho da arma que matou García Lorca.
O homossexualismo do poeta, suas convicções republicanas, o potencial crítico de sua obra -tudo isso se dilui nesse "thriller" policial salpicado de cor local.
À falta da Espanha real -que ajudaria a explicar a morte de Lorca e sua poesia-, optou-se por exibir uma Espanha turística, com toureiros, flamenco e castanholas. García Lorca merecia mais.
(José Geraldo Couto)
Filme: Lorca Produção: EUA/Porto Rico, 1997 Direção: Marcos Zurinaga Elenco: Andy Garcia, Esai Morales, Edward James Olmos, Giancarlo Giannini Onde: no cine Belas-Artes


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