São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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O LIVRO
Biografia lançada no Brasil traz "lições de vida" do cantor

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Há algumas semanas, a MSNBC, canal de notícias da televisão norte-americana, noticiou a internação do cantor Frank Sinatra e junto ao seu nome legendou: "1915-1998".
Essa crônica da morte antecipada fez com que o canal (uma associação da TV NBC e da Microsoft) virasse fonte de piada e ira entre fãs do octogenário cantor. A imagem durou um segundo, mas foi o bastante para o estrago.
Pouco depois, Sinatra saía do hospital e descansava em sua mansão em Beverly Hills. Não foi dessa vez que os "olhos azuis" se fecharam para sempre. Ele vive (pelo menos ainda, até o ponto final destas linhas).
É nessa curiosa circunstância que chega ao Brasil o livro de Bill Zehme, "Frank Sinatra - A Arte de Viver". Por seus propósitos assumidos, funciona como abonador almanaque moral do artista ("Fui em busca de seu grande legado de sabedoria mortal, pura e simplesmente", diz o autor).
Sinatra ambicionava transmitir "para os mais jovens" o que aprendera durante sua vida ("não quero que isso morra comigo"). Zehme confessa sua pretensão imodesta: "Quis fazer-lhe perguntas essenciais, do tipo capaz de salvar a vida de um sujeito. Busquei aquilo que pudesse reunir as regras de vida de Frank".
Durante muitos meses, sentado em seu avião, Sinatra gravou as respostas. Para o autor, trata-se de "uma biografia de sensibilidade e um guia para os sonhadores de grandes sonhos". Essa avaliação já dimensiona seu juízo.
Traindo e reforçando o título original ("The Way You Wear Your Hat" -A Maneira como Você Usa Seu Chapéu), a versão brasileira apela para o realce do "savoir vivre" desse ícone do "american way of life".
Zehme, repórter da revista "Esquire", não esconde seu entusiasmo exagerado: "Sei que isso é questionável, mas nenhum homem jamais viveu a vida com maior amplitude, confiança ou estilo do que Frank Sinatra".
E continua: "Não poderia haver figura mais complexa para um escritor tentar compreender plenamente. A vida que viveu é tão incontível quanto ele próprio. Poucos são os homens que merecem tempo poético como ele".
Ou o horizonte do escritor é meio estreito em referências histórico-culturais ou este é um caso acintoso e consciente de pedagogia hagiográfica.
Os capítulos decupam a vida do cantor em conselhos sobre "aventuras e lições", "bebida e fumo", "amizade", "elegância", "namoros e sobrevivência", "família e paternidade", "trabalhos e vitórias".
Arrumam os depoimentos por suas preferências: bebidas, cigarros, smokings, chapéus, abotoaduras, lixas de unha e alicates de cutícula, amigos, mulheres.
Vinhetas irrompem nos capítulos, trazendo "pérolas de seus pensamentos", como "viva cada dia como se fosse o último" (resposta à pergunta "qual é a única forma de vencer a mortalidade?").
Ao cabo, é uma proposta tão interessante (colher depoimentos do mito sobre temas prosaicos e cotidianos) quanto inconvincente (o fascínio que o tema exerce sobre o autor tem por princípio uma desmesurada idolatria).
O título em português indica o espírito do livro. Realça o viver sobre a arte. Complementa, como balanço-bula, a bibliografia geral sobre o artista.
Talvez por isso mesmo não conste nem discografia nem filmografia. Mas o livro é generoso em iconografia, com muitas fotos do renomado Phil Stern.

"My Way"
O destaque é a "moral" Sinatra, captada no calor da confissão, discreta doutrina. O livro evita suas ligações perigosas com a Máfia, que lhe valeram papéis em filmes e dívidas. As informações "factuais" são parcas (sobram "impressões"), mas algumas valem.
Por exemplo, o cantor detesta seu megahit "My Way" (gravado em 1968), cuja letra Paul Anka escreveu "à imagem de Frank Sinatra", por ser, para ele, demasiado condescendente e auto-elogiosa.
Segundo Zehme, "milionários e operários ouviram a música cada qual à sua maneira, como homenagem aos seus próprios sacrifícios em prol dos triunfos da vida". Em 1994, enquanto cantava "My Way", Sinatra desmaiou no palco.
O livro termina (antes das "palavras finais" do autor) com Frank Sinatra e Dean Martin atirando a esmo, em coelhos invisíveis num deserto de Las Vegas. Quando Dean atirou perto do rosto do amigo, justificou: "Ora bolas, Frank, eu não quero ver você entediado".
Como uma boa "self-made legend", Sinatra gosta de afirmar que, dado à livre veneta, viveu a vida a seu modo.


Livro: Frank Sinatra - A Arte de Viver
Autor: Bill Zehme
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