São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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Lepage quer fusão entre cinema e teatro

LEONARDO CRUZ
da Redação

Em 1989, passando por uma crise em um relacionamento amoroso, o ator e diretor teatral Robert Lepage começou a criar um espetáculo solo, em que tentava demonstrar sua angústia em relação à perda afetiva. Era o surgimento de "Needles and Opium", em que Lepage mesclava momentos de sua história pessoal com a de dois mitos da arte neste século: Jean Cocteau e Miles Davis.
No palco, ele interpretava tanto o escritor e cineasta francês quanto o trompetista norte-americano e ainda contava seus próprios problemas, dialogando com cenas de filmes, slides e outras imagens projetadas em uma grande tela.
Nesta noite, o teatro Guairinha, em Curitiba, assiste à primeira apresentação de um espetáculo de Robert Lepage na América do Sul. Além de trabalhar com teatro como ator e diretor, esse canadense de Québec também é cineasta.
Envolvido com duas montagens teatrais e finalizando um novo filme, Lepage não veio ao Brasil. Em seu lugar, interpretando os três personagens (Cocteau, Davis e o próprio Lepage) de "Needles and Opium" está o ator Nestor Saied.
Leia abaixo trechos da entrevista que Lepage concedeu à Folha por telefone, de Québec, no Canadá.

Folha - Quais as relações existentes entre Jean Cocteau e Miles Davis que o motivaram a montar "Needles and Opium"?
Robert Lepage -
Em algum momento da vida, os dois tomaram algum tipo de droga para superar uma desilusão amorosa. Cocteau foi dependente de ópio e Miles Davis era viciado em heroína. Isso explica o título do espetáculo: "Needles and Opium" (em português, "Agulhas e Ópio").
Folha - E qual a importância do personagem Robert Lepage para o espetáculo?
Lepage -
Falar sobre mim foi uma forma de criar um elo com o público. Miles Davis e Jean Cocteau são mitos, figuras grandiosas que, apesar de fascinantes, geram certo distanciamento da platéia. Quando narradas, as experiências pessoais de Robert Lepage, um homem comum, cativam o público.
Folha - Como foi a escolha de Nestor Saied para interpretar "Needles and Opium" depois que você parou de fazer o espetáculo?
Lepage -
Nunca tinha pensado em permitir que outra pessoa fizesse algum de meus espetáculos solo, mas, quando encontrei Saied em Viena, em 96, fiquei muito surpreso com sua semelhança com o jovem Cocteau.
Folha - Os textos de suas montagens surgem durante os ensaios. Como é o processo de criação?
Lepage -
Tenho uma idéia original, que desenvolvo durante os ensaios. Depois de um certo tempo, chamo algumas pessoas para um ensaio aberto. Baseado na reação desse público, altero aquilo que considero necessário e continuo elaborando o projeto. Depois de quase dez anos com "Needles and Opium", ainda faço mudanças quando vejo a montagem.
Folha - Quais são os principais recursos tecnológicos que você usa em seus espetáculos?
Lepage -
Gosto muito das técnicas de multimídia e as utilizo, mas isso não quer dizer que faço um show de alta tecnologia. Em "Needles and Opium" reproduzo imagens em uma tela e uso muita música. É uma tecnologia básica.
Folha - Até que ponto a utilização de toda essa tecnologia interfere no texto teatral?
Lepage -
O texto no teatro passa por um processo de mudança. A principal causa disso é a tentativa de integração entre as diferentes culturas do planeta, em que as pessoas tentam ampliar ao máximo suas possibilidades de comunicação, utilizando novos recursos. E o texto vem se integrando a isso.
Folha - Como diretor de teatro e cinema, como você vê a relação entre essas duas formas de arte?
Lepage -
Penso que estão mais próximas. O público de teatro quer peças com narrativa cinematográfica. Por outro lado, as pessoas procuram filmes que sejam interativos, quase tridimensionais.
Folha - É possível uma fusão entre as duas coisas?
Lepage -
Sem dúvida. Essa será a nova forma de arte para o século 21. É esse tipo de arte que eu procuro. E é por isso que estou tão interessado em multimídia. Creio que a multimídia é a ferramenta ideal para que essa fusão ocorra.



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