São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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A MÚSICA
"Construção", de 1971, ganha roupa nova

da Redação

O grande momento do show "As Cidades" é a interpretação de "Construção". É um gesto de ousadia dar roupa nova e incluir no roteiro a música do disco homônimo de 71, para muitos intocável.
No novo arranjo, há um surdo de marcação e um certo sotaque nordestino, e Chico Buarque segura a onda na interpretação, agora mais contida, mais anos 90.
Se a apresentação tem o mérito de reviver a, de longe, mais engenhosa e rebuscada música de Chico Buarque e apresentá-la às novas gerações, nada no entanto supera a gravação de 1971.
No disco, o arranjo do maestro Rogério Duprat é o que se pode chamar de casamento perfeito entre intenção (do compositor) e ação (dos músicos).
A canção, de 41 versos, todos terminados com proparoxítonas, começa com um violão dedilhado e uma bateria discreta.
No nono verso ("Sentou pra descansar como se fosse sábado"), entra o agogô -Duprat talvez tenha sido o primeiro a ver o potencial melódico do instrumento-, que vai permear a música inteira.
No 13º ("E tropeçou no céu como se fosse um bêbado"), as cordas. No 17º ("Morreu na contramão atrapalhando o tráfego"), o último da primeira parte, antes de os versos começarem a se repetir com as proparoxítonas alteradas, aparecem os metais.
É aí que se afirma a genialidade de Duprat. Ele extrai dos graves tudo o que os graves poderiam dar e não sabiam. Vai elevando o andamento da orquestra até um clima insuportável, hitchcockiano.
No verso seguinte ("Amou daquela vez como se fosse o último"), entra o grupo MPB-4, na época quase alter ego de Chico Buarque. A partir daí, o músico só volta a cantar sozinho nos versos-chave.
Na 41ª e última estrofe ("Morreu na contramão atrapalhando o sábado"), antes da junção com a música "Deus lhe Pague", tudo se junta, num clímax infernal: agogô, metais (graves inclusos) e vocal.
É a apoteose que merecia a melhor música, com a melhor letra, que Chico Buarque fez. (SD)


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