|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A MÚSICA
"Construção", de 1971, ganha roupa nova
da Redação
O grande momento do show "As
Cidades" é a interpretação de
"Construção". É um gesto de ousadia dar roupa nova e incluir no roteiro a música do disco homônimo
de 71, para muitos intocável.
No novo arranjo, há um surdo de
marcação e um certo sotaque nordestino, e Chico Buarque segura a
onda na interpretação, agora mais
contida, mais anos 90.
Se a apresentação tem o mérito
de reviver a, de longe, mais engenhosa e rebuscada música de Chico Buarque e apresentá-la às novas
gerações, nada no entanto supera a
gravação de 1971.
No disco, o arranjo do maestro
Rogério Duprat é o que se pode
chamar de casamento perfeito entre intenção (do compositor) e
ação (dos músicos).
A canção, de 41 versos, todos terminados com proparoxítonas, começa com um violão dedilhado e
uma bateria discreta.
No nono verso ("Sentou pra descansar como se fosse sábado"), entra o agogô -Duprat talvez tenha
sido o primeiro a ver o potencial
melódico do instrumento-, que
vai permear a música inteira.
No 13º ("E tropeçou no céu como
se fosse um bêbado"), as cordas.
No 17º ("Morreu na contramão
atrapalhando o tráfego"), o último
da primeira parte, antes de os versos começarem a se repetir com as
proparoxítonas alteradas, aparecem os metais.
É aí que se afirma a genialidade
de Duprat. Ele extrai dos graves tudo o que os graves poderiam dar e
não sabiam. Vai elevando o andamento da orquestra até um clima
insuportável, hitchcockiano.
No verso seguinte ("Amou daquela vez como se fosse o último"),
entra o grupo MPB-4, na época
quase alter ego de Chico Buarque.
A partir daí, o músico só volta a
cantar sozinho nos versos-chave.
Na 41ª e última estrofe ("Morreu
na contramão atrapalhando o sábado"), antes da junção com a música "Deus lhe Pague", tudo se junta, num clímax infernal: agogô,
metais (graves inclusos) e vocal.
É a apoteose que merecia a melhor música, com a melhor letra,
que Chico Buarque fez.
(SD)
Texto Anterior: Ramos é a alma do show Próximo Texto: Barba Azul é ambivalência de nosso tempo Índice
|